Na noite da segunda-feira 10, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Nova York sob uma temperatura de zero grau. A sua agenda de dois dias previa um encontro com o ex-presidente Bill Clinton e uma palestra para empresários americanos com o objetivo de melhorar a imagem do País no Exterior. Na terça 11, no entanto, um relatório recheado de críticas ao Brasil, assinado pela nova presidente do Federal Reserve (Fed), Janet Yellen, tornaria mais desafiadora a sua missão. Para o Fed, o País é o segundo emergente mais vulnerável do mundo, depois da Turquia. “Vocês não precisam ter medo de investir no Brasil”, disse Lula aos investidores, que já tinham conhecimento do relatório do Fed.

 

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Janet Yellen: a comandante do Banco Central americano divulgou

um ranking de economias emergentes vulneráveis

 

A avaliação negativa, com 11 menções ao Brasil no relatório, não podia ter chegado numa hora pior. Desde o início do ano, o governo tem reforçado o discurso de controle das contas públicas e da inflação para resgatar a credibilidade perdida. Os ataques de Janet, a primeira mulher a comandar o Banco Central americano, revoltaram a alta cúpula do governo Dilma Rousseff. Para o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, a visão sobre a economia brasileira está defasada e o próprio mercado já vem diferenciando o País de outros emergentes. A insatisfação foi formalmente comunicada ao Fed através de um telefonema feito por um diretor da área internacional do BC. 

 

Apesar da reclamação brasileira, o estrago já estava feito. Para um grupo de 15 emergentes (Brasil, Turquia, México, Taiwan, Indonésia, Índia, Coreia do Sul, África do Sul, China, Chile, Colômbia, Malásia, Filipinas, Tailândia e Rússia), o Fed criou um índice de vulnerabilidade baseado em seis indicadores. Mas não há clareza sobre o peso de cada item nessa conta. Ao simplesmente criar um ranking, o Fed pode ter cometido uma grande injustiça, segundo economistas ouvidos pela DINHEIRO. “Houve um certo exagero”, diz Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP. Na sexta-feira 14, o IBC-Br, divulgado pelo BC, apontou um crescimento de 2,57% da economia brasileira no ano passado, resultado superior ao 1% de 2012.

 

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Alexandre Tombini: para o presidente do BC, a visão do Fed

está defasada. A economia cresceu 2,57% em 2013

 

Ao criticar os emergentes, o banco central dos Estados Unidos passa uma mensagem de que não assumirá a culpa caso a sua política de retirada dos estímulos monetários desestabilize essas economias. “O Fed faz política monetária para o umbigo deles”, diz Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil. Não significa, no entanto, que esses países não possam tomar medidas preventivas – como elevar juros – e buscar a melhoria dos seus indicadores. No caso do Brasil, em apenas dois dos seis itens usados pelo Fed – reservas internacionais e relação entre dívida externa e exportações – há unanimidade entre os economistas de que a condição do País é superior à da média dos emergentes (leia quadro ao final da reportagem). 

 

Nos demais, a avaliação é de que há muito espaço para avançar antes de merecer sair do grupo de economias vulneráveis. As maiores críticas se concentram na questão fiscal. A dívida bruta passou de 53,3% do PIB em 2010 para 57,2% em 2013, patamar pior do que o de muitos emergentes. Além da trajetória de alta, não há expectativa de reversão no curto prazo. Isso porque, para estabilizar essa relação, seria necessário fazer um superávit primário de, no mínimo, 2% do PIB, sem o uso da chamada “contabilidade criativa” e de receitas extraordinárias. “Obviamente o mercado não gosta e o Brasil é visto como mais frágil”, diz Tony Volpon, chefe de pesquisa de mercados emergentes do banco japonês Nomura. 

 

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O Brasil no exterior: Lula encontra-se com o ex-presidente Bill Clinton, em Nova York.

A viagem teve o objetivo de melhorar a imagem do País

 

O reflexo do descontrole fiscal impacta na inflação, que, nos últimos três anos, ficou próxima dos 6%, longe do centro da meta, de 4,5% . Por outro lado, só olhar a alta dos preços, ignorando os benefícios gerados pelo aumento da renda e pela queda dos níveis de desemprego, distorce o cenário, na avaliação do economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito. “Esses fatores levaram as classes D e E a consumir mais”, diz. No quesito expansão dos financiamentos para o setor privado, a relação crédito/PIB no Brasil, de 56,5%, embora tenha crescido bastante nos últimos anos, ainda é menor do que a de outros emergentes. 

 

“Houve também uma intervenção no sistema financeiro, com o avanço dos bancos públicos, sem se ter clareza sobre a qualidade desses créditos”, diz Eduardo Velho, economista chefe da INVX Global Partners. O Banco do Brasil, no entanto, encerrou 2013 com uma inadimplência de apenas 1,98%, contrariando a tese de alguns analistas de que houve uma expansão irresponsável do crédito. Outro dado que tem chamuscado a imagem do Brasil envolve as transações com o Exterior. Nos últimos anos, até 2012, o déficit em conta-corrente ficou na casa dos 2% do PIB, mas chegou aos 3,7% no fim de 2013. 

 

E, mesmo com a desvalorização do real, a melhoria não deve vir no curto prazo. “Não pode ser um ajuste só pelo câmbio, porque causa efeitos na inflação”, afirma Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho. Mas nem todos os indicadores desabonam o Brasil. As reservas internacionais, que estão em US$ 376,6 bilhões, cobrem toda a dívida externa. “Estamos tranquilos em relação às reservas em dólares”, diz Antonio Madeira, da LCA Con­sul­tores. A relação entre dívida externa e exportações também é considerada adequada. Contudo, ao colocar todos esses indicadores num liquidificador e divulgar um ranking, sem esclarecer o peso de cada item, a presidente do Fed queimou injustamente a imagem do Brasil.

 

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