Considerado um dos motores da economia, o crédito encolheu quase 4% no ano passado, em termos reais. Foi o pior resultado desde o início da série histórica do Banco Central, em 2007. Discute-se se a culpa é dos bancos, que fecharam as torneiras dos empréstimos com medo de uma explosão da inadimplência, ou se a origem do problema está no elevado endividamento dos consumidores, que não querem – e não podem – contrair novas dívidas. “São as duas coisas”, afirma Thaís Zara, economista-chefe da consultoria Rosenberg Associados.

Preocupado com o contínuo processo de deterioração da economia, o governo federal lançou, na quinta-feira 29, um pacote de medidas para tentar reativar a oferta de crédito para pessoas físicas e jurídicas. Em troca, apelou pela recriação da CPMF. Trata-se de uma gota num oceano de problemas políticos e fiscais, cuja resolução é pré-condição para qualquer tentativa de estimular a atividade doméstica e resgatar a confiança perdida. Quase cem empresários e representantes dos trabalhadores participaram, no Palácio do Planalto, da reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ao lado da presidente Dilma Rousseff e dos principais ministros das áreas políticas e econômicas.

Criado no governo Lula, o “conselhão”, como é conhecido, havia ficado adormecido nos últimos 18 meses. O primeiro a falar foi o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, que classificou de “pauta única” a busca por uma solução para a crise. “Todos somos perdedores, pois, na recessão, todo mundo perde”, afirmou. “As bases construídas pela meta de inflação, câmbio e responsabilidade fiscal vão possibilitar o crescimento posterior.” Os resultados colhidos pelo governo Dilma mostram que essas bases, no entanto, estão frágeis.

O dólar disparou 54% desde o começo do ano passado e a inflação acumulada em 12 meses supera os 10%. Quanto às contas públicas, o quadro é gravíssimo e já causou a perda do grau de investimento do País – o tal selo de bom pagador oferecido pelas agências de classificação de risco. Apesar do propalado ajuste fiscal, o governo central, que reúne o Tesouro Nacional, a Previdência Social e o Banco Central, terminou 2015 com um rombo histórico de R$ 115 bilhões. Mesmo que os R$ 55,6 bilhões referentes ao pagamento das pedaladas fiscais fossem retirados do cálculo, o resultado também seria o pior da série histórica iniciada em 1997.

Em discurso a representantes do setor produtivo e sindicalistas, a presidente Dilma afirmou que, “superada a fase mais premente do ajuste”, é preciso debater temas polêmicos como a recriação de impostos. “Muitos aqui podem ter dúvidas e até se oporem a essas medidas, em especial a CPMF”, disse Dilma. “Certamente terão bons argumentos, mas peço, no entanto, que reflitam sobre a excepcionalidade do momento, que torna a CPMF a melhor solução disponível.” O empresariado, é claro, não gostou.

Um pouco antes, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, apresentou um pacote com medidas para destravar o crédito. No total, serão injetados até R$ 83 bilhões em linhas para habitação, infraestrutura, agricultura, máquinas, exportação e fluxo de caixa de pequenas empresas. O montante representa apenas 2,5% do estoque de crédito do País. “Dado que, atualmente, quase 20% dos micro e pequenos empresários estão usando o cheque especial como capital de giro, qualquer aumento de liquidez é bem-vindo”, afirma Joseph Couri, presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi). “A dúvida é se o dinheiro do BNDES realmente chegará na ponta, sem burocracia.”

As companhias que adquiriram máquinas e equipamentos nos últimos anos poderão refinanciar as prestações devidas entre 2016 e 2018, possibilitando um alívio de caixa. No agronegócio, o Banco do Brasil recriou a linha de pré-custeio, que fornece capital de giro aos agricultores para comprar insumos com desconto. Já o BNDES vai financiar o pré-embarque das exportações e o FGTS vai comprar títulos imobiliários dos bancos, que poderão ampliar o financiamento imobiliário. “O governo percebeu que precisava fazer alguma coisa para estancar a economia”, diz o especialista em crédito Nicola Tingas, diretor da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).

Para os trabalhadores do setor privado, a grande novidade é a possibilidade de utilizar 10% dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e os 40% da multa em caso de demissão sem justa causa como garantia nos empréstimos consignados. A medida precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional e pelo Conselho Curador do FGTS. Essa modalidade de crédito tem juros bem menores, de 28,8% ao ano, em comparação com a média das demais linhas, de 117,6% ao ano, e já é amplamente utilizada por funcionários públicos e aposentados, que têm renda garantida mesmo em tempos de recessão.

“Isso reduz o risco das operações, permite que as instituições financeiras possam oferecer operações de crédito pessoal aos trabalhadores do setor privado com taxas mais baixas”, afirma o ministro Barbosa. Como o Brasil pratica as maiores taxas de juros do mundo, essa medida vai possibilitar que o trabalhador troque uma dívida cara, como a do cheque especial ou do rotativo do cartão de crédito, por outra mais barata. Porém, segundo os especialistas, não deve estimular o varejo, pois os consumidores seguem cautelosos num ambiente recheado de incertezas. “O governo precisa vencer o jogo das expectativas”, diz Tingas.

Nesta semana, os parlamentares voltam do recesso com uma dupla missão: definir o processo de afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e votar o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Quanto mais a crise política se arrastar, maior será o impacto na economia. “O ambiente é incerto e não atrai investimentos”, diz Thaís Zara, da Rosenberg. Superados os entraves políticos, a etapa seguinte é aprovar as reformas necessárias para dar uma previsibilidade benigna às contas públicas.

No discurso, a presidente Dilma reconheceu que as contas da previdência não fecham e se mostrou disposta a liderar o debate, “respeitando os direitos adquiridos”. “Talvez cause estranheza darmos centralidade a este tema, cujos impactos ocorrerão depois que meu mandato tiver terminado, em 2018”, disse Dilma. “É uma questão de responsabilidade e por isto eu insisto: a hora é agora.” Faltou combinar com turma dos sindicalistas, que torceram o nariz na plateia. Não será com uma dose extra de crédito que o governo reconquistará a confiança da sociedade.