25/07/2014 - 20:00
Desde 2008, quando eclodiu a crise internacional, a chanceler alemã, Angela Merkel, tem sido acusada de “falta de sensibilidade” pelos países da periferia europeia. A primeira-ministra da maior economia do Velho Continente não abriu mão de duras exigências fiscais como contrapartida aos empréstimos concedidos aos chamados Piigs – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha –, que registram elevados índices de desemprego. Para justificar a sua posição, Angela sempre teve a seu favor o êxito do modelo econômico da Alemanha, que, ao contrário de alguns vizinhos, economiza nos gastos públicos sem deixar de gerar postos de trabalho.
Recentemente, porém, ela mudou o discurso e, numa surpreendente manobra política para conquistar o apoio de grupos de centro-esquerda, liderou a criação do salário mínimo no seu país. Apenas a Alemanha e outros seis países da União Europeia ainda não adotam um salário mínimo. Sob pressão social, Angela também aceitou flexibilizar as regras para a aposentadoria, reduzindo a idade mínima requerida. Os novos custos colocam em risco os pilares que ajudam a manter o país no posto de terceiro maior exportador mundial e de locomotiva europeia: o dinamismo e a vanguarda de uma economia moderna, em que a flexibilidade do mercado de trabalho é considerada modelo e foi um diferencial decisivo em tempos de contração da atividade mundial.
A partir de 2015, pouco mais de 3,5 milhões de trabalhadores passarão a receber a remuneração mínima de 8,5 euros/hora, algo como 1.207 euros mensais (R$ 3.600), considerando a carga média de 35,5 horas semanais no país – como comparação, o mínimo brasileiro equivale a 246 euros (R$ 724) mensais. Trata-se de um marco histórico para um país com fama de manter seu governo distante das discussões salariais, até então concentradas na relação entre sindicatos e empresas. “Mesmo que a experiência em outros países não sugira que a adoção de um salário mínimo está diretamente ligada ao aumento do desemprego, isso ameaça afetar a dinâmica do mercado de trabalho”, afirmou Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, o banco central alemão, após a aprovação do mínimo.
“Há um risco de que as empresas criem menos vagas na recuperação.” O instituto econômico alemão Ifo estima em 340 mil o total de vagas sob risco de desaparecerem. Já para o Deutsch Bank, o impacto pode chegar a um milhão de postos de trabalho. “Quando o salário mínimo é inserido em um mercado de trabalho competitivo e com bom funcionamento, pode gerar efeitos negativos sobre o emprego, como a expulsão de trabalhadores menos qualificados, seja em direção ao desemprego ou à informalidade”, diz Gabriel Ulyssea, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Diferentemente do caso brasileiro, em que a política de reajuste do salário mínimo serviu de fermento para a massa de consumo que sustentou o crescimento nos últimos anos, na Alemanha, onde o PIB per capita é quatro vezes maior que o do Brasil, os efeitos sobre a atividade econômica não são tão claros. “Ter mais dinheiro para o alemão quer dizer que ele vai, por exemplo, viajar, e não comprar um novo notebook para casa”, diz Leonardo Paz Neves, coordenador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) do Ibmec.
“Haverá um ganho de renda na sociedade e eles vão melhorar o padrão de vida, o que não está claro é onde eles irão gastar o dinheiro.” Incertezas em relação à política do salário mínimo também rondam o Brasil. O debate agora é sobre a fórmula de reajuste, que prevê a reposição da inflação mais a variação do PIB de dois anos anteriores, o que garante ganhos reais ao trabalhador. De acordo com a pesquisadora de economia aplicada da FGV, Silvia Matos, os reajustes têm sido muito acima dos ganhos de produtividade da economia. “Já está difícil conter a inflação e, com o salário mínimo variando sem respeitar a demanda atual, isso pesa na balança econômica”, afirma Silvia.
Como alternativa, a pesquisadora sugere desvincular o salário mínimo dos benefícios da Previdência e de PIBs passados, atrelando-o à produtividade da economia. Além da Alemanha, a pressão social por mais gastos vem crescendo no Reino Unido. Nas últimas semanas, funcionários públicos tomaram as ruas de Londres para questionar congelamentos e cortes de salários, além de medidas de austeridade adotadas em todas as áreas da administração. Fantasiados de zumbi, atrapalharam voos nos aeroportos, fecharam escolas e museus, e prometem mais protestos em setembro, no fim do verão europeu. O estado de bem-estar social, que alguns davam como morto na Europa, ainda vive.