07/07/2023 - 11:00
Um selo na capa do livro O Equilibrista, que acaba de ser lançado pela editora Almedina Brasil com texto da experiente jornalista Maria Tereza Gomes, destaca um traço marcante na carreira do biografado: “…executivo que foi amado pelas equipes, pelo mercado e pela imprensa, mas nem sempre pelos acionistas”.
A apresentação faz todo sentido — e é um dos principais motivos para que se dedique algum tempo à leitura das 270 páginas que narram a vida e a carreira do homem que liderou com grande sucesso a reestruturação de empresas de diversos setores no Brasil, de cabos elétricos a telefonia, passando por bancos. Hoje com 76 anos e acometido pelo Mal de Parkinson, Manoel Horácio acumulou em mais de cinco décadas no mundo corporativo muitas histórias singulares. Houve momentos de glória, frustrações e disputas de todo tipo. Algumas envolveram egos. Outras, valores pessoais. Em certos casos, estavam em jogo somas significativas para investidores e acionistas. Nem sempre o desfecho foi o desejado pelo narrador.
Mas o que realmente faz com que esse não seja apenas mais um volume com lições sobre gestão e métodos para tomar decisões em cenários adversos é a franqueza com que Horácio revela bastidores das empresas pelas quais passou, em uma carreira construída na base da intuição, da facilidade para entender números e da sensibilidade para colocar poesia no ambiente árido dos negócios. Ele ficou famoso por citar Fernando Pessoa em seus discursos e entrevistas.
Nascido nos dias finais da Segunda Guerra em um pequeno vilarejo de Aveiro, cidade ao norte de Lisboa conhecida como a Veneza de Portugal, Manoel Horácio Francisco da Silva chegou ao Brasil com 2 anos de idade, em setembro de 1947. A família vinha da agricultura de subsistência. Seu pai, que não teve educação formal, imigrou para São Paulo na tentativa de dar aos filhos um futuro melhor. Funcionou, mas não sem dificuldades. Aos 4 anos, Horácio e o irmão mais velho, Adelino, vendiam na rua flores que os pais plantavam no quintal de casa. Na escola, sofria bullying por ser português. “Tinha que provar que eu era inteligente.” Em casa, a mãe controlava as economias com austeridade. Segundo Horácio, “não havia presentes nos aniversários nem no Natal”, algo que serviu de lição para o futuro executivo: “Minha mãe fazia o caixa render e isso foi importante na minha vida profissional, quando precisei reestruturar seis empresas em dificuldades organizacionais ou financeiras”.
Se aos 4 anos ele trabalhava como vendedor de flores, aos 18 já ocupava um cargo de liderança na farmacêutica Ciba-Geigy. Formado em administração de empresas, foi trabalhar na sueca Ericsson. Em 1980, patrocinado pela empresa, cursou o Advanced Management Program da Harvard Business School, em Boston (EUA). Além de fortalecer seus conhecimentos de comportamento organizacional, o programa abriu a cabeça do jovem executivo para “melhorar as habilidades de liderança”. A principal delas: ouvir. “É uma questão de respeito ao seu grupo, mesmo que você ache que as ideias são inadequadas.”
Ter aprendido a ouvir, porém, não o impediu de se impor quando necessário. Em sua primeira conversa com um membro do conselho da Sharp, que ele presidiu quando a empresa faturava US$ 1 bilhão, ouviu o seguinte: “Você não vai ser meu chefe”. A resposta de Horácio: “Não vou, mas preciso saber o que acontece na sua área; então, você vai reportar para mim”. Assim como nessa passagem, faz questão de dar nome a personagens que cruzaram seu caminho, para o bem ou para o mal.
Depois do curto período na Sharp, que decretaria falência em 2003, ele foi convidado para a Vale, à época recém-privatizada. É a partir daí que o livro se torna cada vez mais interessante — e, para não dar spoiler, deixarei para quem tiver interesse na leitura as revelações feitas por Horácio. Lembro apenas que ele respondeu a 37 processos — e só se queixa de ser envolvido em ações movidas contra empresas das quais já havia se desligado anos antes. “O pior de tudo é que o oficial de Justiça, quando vem trazer a citação, para na minha porta com um camburão da polícia.”