Chegamos ao fundo do poço e começamos aos poucos a emergir. É este o diagnóstico da indústria eletroeletrônica sobre o futuro da economia e dos negócios, na visão do administrador Humberto Barbato, presidente da Abinee. Há três anos à frente da entidade que representa as empresas da indústria de eletroeletrônicos, com 500 associadas responsáveis por uma fatia de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), Barbato está com um otimismo controlado. “Há uma melhora generalizada do humor”, diz ele. Mas a recuperação é lenta.”  Ele acredita  que o pior já passou, embora o sentimento seja de crescimento sobre terra arrasada. E alerta: se não for feita a reforma fiscal, o câmbio não se estabilizar adequadamente e a insegurança jurídica persistir, voltaremos à estaca zero.

DINHEIRO – Chegamos ao fundo do poço da indústria eletroeletrônica no Brasil?
HUMBERTO BARBATO – 
Sim, esta é a sensação que tenho. Estamos agora emergindo de forma lenta. Isto é notado com o fato de as empresas registrarem um maior nível de encomendas. Há uma melhora generalizada do humor,  maior confiança em relação ao segundo semestre do ano. O pior ficou para trás, mas a recuperação é lenta.

DINHEIRO – Qual foi o pior momento? 
BARBATO –
 Em abril, mês que foi deflagrado o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados.  Foi o pior período dos últimos vinte anos. Havia muita insegurança, não existia qualquer perspectiva. Tínhamos um impasse político sem nenhum tipo de solução. Vivíamos uma situação em que os empresários estavam com receio de investir e o público, de comprar, por causa do desemprego. Era o pior dos mundos, medo dos dois lados. Para se ter uma ideia, em abril desse ano, as vendas do setor caíram pela metade em relação ao mesmo período do ano passado.

DINHEIRO – E agora, como está a situação?
BARBATO –
 Reparamos que o ritmo de demissões está cedendo aos poucos. Mas ainda existem, o que ocorreu foi  uma mudança de intensidade. De janeiro a julho foram fechadas oito mil vagas de trabalho no setor. Em 2015 foi um horror, demitimos 45.500 trabalhadores.

DINHEIRO – Empresários e economistas dizem que há um efeito psicológico muito maior do que o que de fato ocorre. Isto é verdade?
BARBATO – 
Sim, sem dúvida. O anúncio da Mercedes-Benz na semana passada, por exemplo, que anunciou demissões em sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP), cria uma instabilidade muito grande. Semeia um ambiente negativo, de possibilidade de perda de emprego. É um circulo vicioso: o consumidor para de consumir e a indústria se retrai.

DINHEIRO – Não há nenhum segmento que esteja contratando, que acredite na retomada da economia?
BARBATO –
 Existem algumas empresas que estão admitindo, embora de forma ainda lenta. É o caso de informática e telecomunicações, principalmente quando falamos em celulares. Nesse mês de agosto, uma empresa que produz componentes eletrônicos para celulares, computadores e impressoras está contratando 250 trabalhadores. Este é um sinal importante, quando observarmos o ritmo de demissões, que era em torno de 700 ou mais por mês. É aquele velho ditado: “cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça”. Estamos em uma situação tão difícil, de tamanha delicadeza, que qualquer notícia de contratação faz com que fiquemos um pouco mais animados.

DINHEIRO – Parece que as importações de celulares são exceção. Em julho, o Brasil importou 160% a mais de aparelhos em relação ao mesmo período do ano passado, principalmente da China. Por que isto ocorre?
BARBATO- 
O telefone celular é um bem que se quebra com facilidade no manuseio. O que está ocorrendo é que muitas vezes as pessoas não têm dinheiro para comprar um aparelho sofisticado. Adquirem um para quebrar o galho, modelo antigo. Esses telefones mais velhos, que não têm acesso mais sofisticado à internet, voltaram à moda. Mas o ponto é que não são mais fabricados no Brasil.

DINHEIRO – De que forma o impeachment da presidente afastada mexeu na química dos negócios? 
BARBATO – 
Olhando no retrovisor, o que percebemos é que o governo só se preocupou com assuntos relacionados à política enquanto a economia ia pelo ralo. Brasîlia estava tão enfraquecida que não existia a perspectiva de um novo cenário. O que aconteceu depois do dia 17 de abril, quando foi deflagrado o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, é que o País voltou a ter agenda.

DINHEIRO – E o dólar? Até que ponto está afetando o resultado da indústria eletroeletrônica?
BARBATO – 
No segmento eletrônico, há uma dependência muito grande de componentes importados, e quanto menor a relação dólar/real, melhor. Já na indústria elétrica, que padece por falta de grandes projetos de infraestrutura, ocorre o inverso. Muitas dessas indústrias partiram para a exportação de seus produtos, e conseguiram se sobressair quando o câmbio oscilava em torno de R$ 3,60 por dólar. Mas o ponto é a volatilidade, o sobe-desce. Como a indústria eletroeletrônica é altamente competitiva, as margens são bem enxutas. A pergunta que o empresário se faz é com qual câmbio se estabelece o preço de um determinado produto. Esse é o problema, precisamos de uma taxa mais estável para trabalhar porque não se sabe o preço de nada. Como fazer compras, por exemplo, em dólar para pagar daqui a dois meses?  A palavra chave é previsibilidade, não se pode ter uma situação de montanha-russa.

DINHEIRO – Qual é o câmbio ideal para o setor, na sua visão?
BARBATO –
 A taxa de câmbio ideal para mim é de R$ 3,70. Dos meus associados fala-se em R$ 3,50, nîvel que pode ser razoável. Existem estudos, feitos com base em parâmetros dos últimos vinte anos, considerando-se a taxa de inflação americana e brasileira, que mostram que o câmbio deveria estar hoje na casa dos R$ 4,30.

DINHEIRO – O novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, tem dito reiteradamente que o câmbio é flutuante…
BARBATO –
 É preciso lembrar que no governo Dilma houve uma política desavergonhada do câmbio para conter a inflação. Isto fez com que a indústria de manufatura caísse nos últimos doze anos de 18% para 9% de participação no PIB. Se seguirmos nessa linha, vamos assistir ao mesmo filme: a redução do setor industrial. Não adiantada nada eu gastar uma fábula em uma fábrica com melhoria de processo se depois o câmbio, com uma bordoada, joga todo o meu esforço no lixo.

DINHEIRO – A Abinee tenta na Justiça que se recomponha a Lei do Bem, que foi criada em 2005 e deveria valer até 2018 para isentar, entre outros pontos, a cobrança de PIS/Cofins na venda de computadores, modems, roteadores e smartphones. Como ficou essa questão, já que o governo federal revogou este benefício em dezembro do ano passado?
BARBATO –
 Houve um avanço imenso com a Lei do Bem, que precisa ser resgatado. Tivemos uma melhoria da indústria com a Lei, que incentivou a produção nacional em vez da importação. O ponto é que com a sua revogação, para esses produtos especificamente, perdemos mercado para artigos de fora,  que são montados aqui e não pagam nada de impostos. O que fizemos foi recorrer à Justiça, ganhamos já em segunda instância. Havia uma proposta de redução escalonada do tributo, que era o que desejávamos.

DINHEIRO – A taxa de juros brasileira é uma das maiores do mundo. De que forma as taxas elevadas afetam as vendas no setor eletroeletrônico?
BARBATO –
 A taxa básica, hoje em 14,25% ao ano, é uma fantasia. Um desconto de duplicata não sai por menos que 43,5% ao ano, três vezes mais. É isto o que a indústria paga. O que precisamos é trabalhar em parâmetros internacionais neste ponto, até porque somos globalizados.

DINHEIRO – Por que a indústria brasileira, mesmo a eletroeletrônica, é tão avessa a se financiar no mercado de capitais, lançando ações em bolsa?
BARBATO – 
O problema de abertura de capital depende de cada uma das empresas, mas é verdade que são poucas que lançam ações. O que ocorre é que no nosso setor há uma mescla de companhias nacionais e multinacionais. As multinacionais podem trazer recursos de fora. O problema é a insegurança jurídica para tocar o negócio.

DINHEIRO – Qual é a insegurança jurídica?
BARBATO –
 O que foi decretado ontem não vale hoje. A Lei do Bem é um caso típico. Editaram uma Medida Provisória prorrogando o benefício até 2018, e meses depois voltaram atrás. Outro exemplo é o Reintegra, benefício dado para compensar tributos pagos pelas empresas exportadoras. A alíquota do Reintegra flutua de acordo com a conveniência do governo.  Se isto aí não é insegurança jurídica, então não sei como qualificar este tipo de coisa na língua portuguesa.

DINHEIRO – Estamos ainda em um processo de desindustrialização?
BARBATO –
 Sim. Observe a quantidade de produtos eletroeletrônicos que deixaram de ser produzidos no Brasil nos últimos anos. Um absurdo. Veja se você tem um secador de cabelo, um ferro elétrico que seja fabricado no Brasil.

DINHEIRO – A sua empregada tem consciência de que estamos perdendo a batalha para os produtos chineses importados?
BARBATO – 
(risos) Tenho a impressão que não tem. Ela está mesmo preocupada com o preço, não com a qualidade do produto.

DINHEIRO – Alguns integrantes do governo federal e mesmo empresários já dizem que não será possível fechar as contas públicas sem aumento de impostos, ressuscitar a CPMF. Qual o impacto que isto teria na indústria?
BARBATO –
 Sou contra aumento de impostos por princípio. A CPMF inibiria ainda mais o consumo. Mas é preciso que se faça um ajuste fiscal sério. Mexer na Previdência, na idade de aposentadoria, rever os reajustes de salários do setor público. Esta agenda não pode mais esperar.