14/03/2012 - 21:00
O futebol e a economia são dois campos interessantes para observar como o nível de exigência dos brasileiros tem subido. Um país pentacampeão no gramado não tem a menor tolerância para uma vitória por apenas um gol de diferença da seleção canarinho. Da mesma forma, um país que teve um crescimento de 7,5% em 2010 não vê motivos para celebrar a representativa expansão de 2,7% do PIB no ano passado – apesar da grave crise na Europa e de seus impactos na economia global – e recebeu com frieza o número divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na terça-feira 6.
Guido Mantega: ”Teremos uma medida nova por mês para estimular a economia”
Muitos criticaram o “pibinho” do primeiro ano do governo Dilma, ainda que tenham sido gerados quase dois milhões de postos de trabalho formais no período e que os índices de pobreza tenham diminuído mais 7,9%, conforme estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). O Planalto, agora, é pressionado a encontrar o caminho do gol de novo, principalmente pela indústria, o setor que teve o menor crescimento em 2011, de 1,6%, depois de uma alta de 10,5% no ano anterior. De certa forma, a pressão da torcida é saudável. É preciso manter a bola em campo, num momento em que o País tem muitas variáveis a seu favor – e foi exatamente o que o governo decidiu fazer nos últimos dias.
Na quarta-feira 7, começaram a surgir as primeiras informações sobre o novo “pacote de bondades”, coordenado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Quando anunciava os resultados da segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), ele deixou claro que o governo já tem um plano traçado para retomar o ritmo da atividade neste ano.“Teremos uma medida nova por mês para incentivar a economia”, disse Mantega, ao lado da ministra do Planejamento, Miriam Belchior (leia reportagem sobre o PAC aqui). A ordem da presidenta Dilma Rousseff é criar um ambiente favorável para o investimento tanto público quanto privado. “Queremos aumentar em 10% os investimentos, em 2012”, afirmou Mantega. E como isso será feito?
Segundo a DINHEIRO apurou, trabalhando em cima de quatro eixos principais: redução mais acelerada dos juros, desoneração tributária da produção e do consumo, liberação de mais recursos públicos para investimentos produtivos e medidas microeconômicas setoriais. Os detalhes do pacote ainda estão sendo costurados em Brasília, mas já é possível avaliar que a tendência é acelerar as jogadas de curto prazo que garantam a retomada da economia nos próximos meses e – mais uma vez – postergar decisões difíceis e urgentes para garantir o fôlego do crescimento no longo prazo, como a redução do famigerado custo Brasil. Aos detalhes.
Elas agem, eles reagem: Merkel (acima) ouviu queixas de Dilma sobre o tsunami monetário,
que fortalece artificialmente o real.
Para investimentos, além dos R$ 100 bilhões previstos para as empresas estatais, Mantega garante que outros R$ 40 bilhões do Orçamento serão liberados neste ano para projetos dos ministérios. Já está praticamente certo que o Tesouro deve fazer, ainda, um novo aporte de R$ 30 bilhões no BNDES, de modo a turbinar, ainda mais, o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que garante juros baixos para a compra de bens de capital. Com isso, o banco poderá elevar para R$ 140 bilhões o volume de crédito oficial às empresas. E mais: o custo dos empréstimos, de um modo geral, está sendo pressionado para baixo, dentro e fora do sistema financeiro oficial.
O Banco do Brasil e a Caixa foram convocados para reduzir ainda mais os spreads (margens de ganho) dos empréstimos a pessoas físicas e jurídicas, que acentuam o efeito da queda dos juros básicos promovida pelo Banco Central (BC). Na própria quarta-feira 7, o BC reduziu a taxa de juros de 10,5% para 9,75%, uma queda de 0,75 ponto percentual, atípica para os padrões da gestão Dilma. Até então, o ritmo de redução de juros estava em 0,5 ponto. A expectativa de muitos economistas, agora, é de que a Selic possa fechar o ano em 9%, mas o afrouxamento monetário pode ir além: no mercado de juros futuros da BM&FBovespa, a aposta chega a uma taxa de 8,5% até dezembro.
No nível microeconômico, serão beneficiadas 19 cadeias produtivas de setores que integram os Conselhos Setoriais de Competitividade, dentro do Ministério do Desenvolvimento, com a ampliação de medidas já anunciadas no Plano Brasil Maior, em agosto do ano passado. Depois de desonerar a folha de pagamento dos setores de confecção, calçados, software e call centers, por exemplo, os próximos a serem contemplados deverão ser os de máquinas de obras rodoviárias, agrícolas, autopeças, pneus e têxteis. Trata-se de uma medida bem-vinda, uma vez que já se mostrou eficiente na indústria calçadista, por exemplo, que teve redução média de 40% dos encargos trabalhistas. “Reduzir impostos aumenta a competitividade da indústria”, diz Milton Cardoso, presidente da Vulcabras.
“Os estrangeiros estão desesperados, reduzindo o preço em dólar”, diz Cesar Prata,
industrial do setor de óleo e gás.
O regime de preferência para a indústria nacional nas compras governamentais, que hoje favorece o setor de defesa e vestuário, também incluirá o segmento de máquinas agrícolas e retroescavadeiras para as obras rodoviárias do PAC, e ainda, o setor de medicamentos e equipamentos médicos. Dessa forma, as empresas instaladas no País poderão ganhar as licitações, mesmo com preços até 8% mais altos que um concorrente estrangeiro, desde que ofereçam qualidade equivalente. Outros setores serão beneficiados (leia quadro ao final da reportagem), como a cadeia de óleo e gás, que devem ganhar novos incentivos para inovação.
O governo acena, ainda, com a implementação do regime especial para as montadoras instaladas no País, com até 65% de conteúdo local. Quem decidir instalar novas fábricas poderá ganhar uma espécie de cota de importação. As medidas setoriais representam uma ampliação do plano Brasil Maior, lançado em agosto do ano passado, e seriam anunciadas no segundo semestre. Na semana passada, porém, Mantega e Dilma decidiram antecipá-las e enviá-las rapidamente ao Congresso, garante uma fonte do Planalto. Tudo para alcançar o resultado esperado pelo governo: expansão de 4,5% do PIB em 2012. O anúncio da redução no spread dos empréstimos bancários do Banco do Brasil e da Caixa deve ser feito nos próximos dias.
A ordem foi dada há duas semanas pela presidenta Dilma Rousseff, antes mesmo da divulgação dos números do PIB. Ela quer usar os bancos públicos para mexer com a concorrência e levar os bancos privados a repetir o movimento. Dilma está bastante preocupada com o câmbio e com os efeitos do real valorizado sobre a indústria, como deixou claro, durante a sua visita à chanceler Angela Merkel, na começo da semana passada, na Alemanha. Em Hannover, a presidenta brasileira reclamou à mulher mais poderosa da Europa dos efeitos da política do Banco Central Europeu (BCE) de fornecer E 1 trilhão aos bancos do continente. Após chamar de “tsunami monetário” a farta liquidez dos países desenvolvidos que deságua nos países emergentes, como o Brasil, Dilma apontou as consequências dessa política de “guerra cambial”.
Medida positiva: “Reduzir impostos aumenta a competitividade da indústria. Nossos encargos sobre a
folha caíram 40%”, diz Milton Cardoso, presidente da Vulcabras.
“O efeito da desvalorização artificial da moeda equivale ao de uma barreira tarifária”, disse a presidenta. Isso porque o capital busca aplicações de curto prazo que aumentam a cotação da moeda brasileira, prejudicando as exportações e facilitando a entrada de importados. “Tomaremos todas as medidas que não firam as disposições da Organização Mundial do Comércio para evitar que o real valorizado desindustrialize a economia brasileira”, disse Dilma. A ênfase da presidenta sobre o assunto agrada aos empresários, mas não a ponto de desanuviar as preocupações com a concorrência externa. “Estamos na direção certa, mas sentimos a necessidade de uma ação forte, que traga um choque de eficiência”, diz Robson de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Faz sentido. Em vez de ficar “enxugando gelo”, tentando segurar a queda da moeda americana – o dólar barato, é bom lembrar, beneficia a economia ao reduzir os custos de importação de insumos e equipamentos e ajudar no controle da inflação –, é preciso avançar na agenda da competitividade. Isso inclui um investimento mais agressivo em infraestrutura e incentivos fiscais que reduzam os custos de produção de forma definitiva, como fizeram os países desenvolvidos. “Mexer em juros e câmbio é apenas uma receita de curto prazo para crescer”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, de São Paulo. Ele acredita que a economia brasileira ainda está presa à “equação do ou”: ou crescimento mais acelerado, ou inflação. “É uma armadilha que não permite voos maiores.”
Uma das providências para corrigir essa rota é aumentar os investimentos produtivos, de modo que as empresas possam ganhar músculos e assim investir na melhoria da oferta para atender à demanda crescente do consumo. Com os juros menores e o reforço do caixa do BNDES, a presidenta espera criar um ambiente favorável ao aumento da taxa de investimento, que ficou em 19,3% do PIB em 2011, uma queda de 0,2 ponto percentul em relação ao ano anterior. A meta de Dilma é alcançar uma taxa de 24% até 2014, garantindo o investimento público de modo a incentivar, também, a contrapartida do setor privado. Há razões de sobra para as empresas brasileiras assumirem o risco.
Dez entre dez economistas preveem o aquecimento da economia nacional de modo mais significativo no segundo semestre, quando a política de redução da taxa Selic e o aumento polpudo do salário mínimo vão gerar seus frutos. O ganho de renda do mínimo, por exemplo, deve beneficiar principalmente a indústria de alimentos e vestuário. A redução de juros, por sua vez, barateia o crédito, o que anima o consumidor a comprar bens de consumo, como eletrodomésticos, automóveis e eletroeletrônicos. “Nossa economia é organizada e reage muito bem às medidas de incentivo de crescimento”, afirma Roberto Olinto, coordenador de contas nacionais do IBGE. “Apenas não é no tempo em que os economistas esperam.”
Heloísa de Menezes, secretária de Desenvolvimento Produtivo do Ministério do Desenvolvimento, lembra que o plano Brasil Maior, em vigor desde agosto do ano passado, também terá mais efeito na segunda metade deste ano. “Há um tempo para que uma medida seja digerida pelo setor produtivo”, diz Heloísa. É inegável que as sinalizações do governo são positivas e representam um passo para começar a avançar. Mas o momento exige mais “ousadia e coragem”, sugere Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). “Precisamos de remédios mais fortes”, diz ele. Isso porque o País vive um contexto muito mais complexo do que no passado, por ter se tornado o centro das atenções do mundo exatamente pelo crescimento econômico vigoroso, que não para de registrar bons resultados.
Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas mostra, por exemplo, que as classes A/B no País devem crescer 29% nos próximos dois anos, em ritmo mais acelerado do que o da classe C – esta, por sua vez, continua crescendo, 11,9% no período, e chegará a um total de 118 milhões de pessoas em 2014. “Nosso câmbio está apreciado não só porque há um tsunami de dinheiro, mas porque o País está melhor”, diz Sérgio Vale, da MB Associados. Com um quadro cada vez mais moroso lá fora, o País é alvo também de oferta de produtos mais baratos do Exterior. “Os nossos concorrentes estrangeiros estão desesperados para vender, reduzindo o preço em dólar”, diz Cesar Prata, presidente da Asvac Bombas Industriais, de São Paulo, fornecedora da cadeia de óleo e gás.
Os empresários locais também precisam fazer a sua parte. O economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, de São Paulo, diz que o Brasil precisa se livrar de uma vez por todas da “maldição” dos recursos naturais abundantes. “Temos muitas commodities que estão sendo demandadas no mundo, o que nos dá a impressão que não precisamos nos mexer muito”, diz Borges. “As empresas precisam reconhecer que a concorrência estrangeira não sairá do seu encalço.” O País já provou sua capacidade de superar inúmeras crises. Está na hora de administrar melhor o círculo virtuoso da economia e consolidar os avanços para as próximas gerações.
Colaboraram Cristiano Zaia, Guilherme Barros, Luís Artur Nogueira e Tatiana Bautzer