23/12/2011 - 21:00
O ano 2011 certamente já vai tarde para os europeus. Se janeiro começava com a expectativa de um crescimento moderado, nos meses seguintes o Velho Continente teve de abrir espaço no dicionário para as palavras recessão e risco de calote. Os 17 líderes da Zona do Euro bateram cabeça o ano todo tentando encontrar a fórmula adequada para solucionar a grave crise fiscal do bloco. Países como Grécia e Itália somavam dívidas acima de 120% do PIB. “É preciso liderança, visão clara e rapidez na solução da crise”, cobrou a presidenta Dilma Rousseff durante o encontro do G-20, em Cannes, na França, no início de novembro. A queda de dois governos parece ter feito parte da solução. O premiê grego George Papandreou e o primeiro-ministro italiano Silvio Berluconi capitularam diante da falta de respostas consistentes para a crise. Sinal dos novos tempos. A possibilidade da implosão da Zona do Euro chegou a ser debatida depois da falta de entendimento que derrubou os líderes europeus. Coube a Angela Merkel, chanceler da Alemanha, e a Nicolas Sarkozy, presidente da França, o papel de líderes diante de um continente desgovernado.
Os cortes de gastos públicos revoltaram os alemães, que foram às ruas questionar o futuro da moeda única.
No destaque, manifestantes explodem bomba em Atenas
A missão do tipo “quase impossível” envolveu convencer seus pares da necessidade de adotar rigorosas medidas fiscais em 2012. “A Europa vive seu momento mais difícil desde a Segunda Guerra”, disse Angela Merkel, em meados de novembro. O discurso só aumentou a ira da população, que promoveu barulhentos protestos contra os excessivos cortes de gastos públicos. Isso custou a diminuição de benefícios salariais e redução do tempo de aposentadoria. Na Inglaterra, por exemplo, dois milhões de pessoas foram às ruas no final de novembro na maior greve do setor público desde 1979. Dias depois, a dupla “Merkozy” viveu um teste de fogo, ao liderar as negociações durante a Cúpula Europeia, cujo desfecho trouxe algum alento. O principal avanço foi a decisão dos países de aceitar formalmente em suas Constituições o limite máximo de déficit de 3% do PIB, com penas automáticas em caso de descumprimento.
A Grécia, por exemplo, tem um déficit de 10,6%. Os 17 integrantes da Zona do Euro toparam o acordo. Ruim com o bloco, pior sem, o que implicaria, inclusive, o fim do euro como moeda comum. Outros nove integrantes da União Europeia vão consultar seus Parlamentos, e o Reino Unido, isolado, foi o único que reprovou a proposta. O detalhamento das regras e das punições deve ser debatido no próximo encontro, previsto para os dias 1º e 2 de março. As bolsas de valores, que inicialmente reagiram positivamente, passaram a registrar queda no mundo inteiro nos dias seguintes à reunião. “Os investidores continuam muito preocupados com o comprometimento e a capacidade política dos governos de implementar as reformas ”, diz Marie Diron, responsável pelo relatório mundial da consultoria Ernst & Young, que prevê crescimento de 0,1% na Zona do Euro em 2012.
Durante o encontro do G-20, em Cannes, a presidenta Dilma cobrou liderança,
visão clara e rapidez na solução da crise do Velho Continente
O cenário nebuloso da região foi visto in loco pelo presidente executivo da União Brasileira de Avicultura (Ubabef), Francisco Turra, que acaba de retornar de uma viagem de dez dias à Itália e Espanha. Na bagagem, além de encontros políticos e comerciais, o executivo trouxe um retrato desanimador. “Viajo à Europa há mais de 20 anos e nunca vi a população tão perplexa como agora”, diz Turra. Para o Brasil, no entanto, a crise europeia ainda não representa uma redução dos negócios. Enquanto o total de exportações brasileiras de frango cresceu 3% neste ano, as vendas para a União Europeia tiveram expansão de 5%. “A crise reduziu o poder de fogo dos governos para dar subsídios aos produtores locais, o que aumentou a nossa competitividade”, afirma Turra, que prevê uma repetição desse cenário em 2012. Os produtores de carne bovina também vislumbram lucros maiores.
Debilitados, os governos locais tendem a ser mais complacentes na hora de negociar a eliminação de barreiras protecionistas que dificultam a entrada dos produtos estrangeiros, os brasileiros entre eles. “Eles gastam um terço do orçamento com a política agrícola”, diz Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). “Num momento de aperto fiscal, é difícil explicar para 500 milhões de consumidores europeus por que se gasta tanto com subsídios aos produtores.” Apesar de a União Europeia não ser o principal cliente brasileiro, absorvendo 22% das exportações, seria ingenuidade imaginar que a crise na região terá efeito nulo para o País. “A crise na Europa nos prejudica direta e indiretamente”, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).“Além de adquirirem minério do Brasil, eles compram manufaturados da China, que também utiliza minério brasileiro na fabricação.”
Em busca de uma saída: o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemã, Angela Merkel (à esq.), lideram as negociações
por uma solução para a crise, que derrubou os primeiros-ministros Silvio Berlusconi, da Itália, e George Papandreou, da Grécia
Portanto, explica Castro, se a demanda cair muito na Europa, os preços das commodities vendidas pelo Brasil devem recuar. Ampliar as exportações de bens industrializados para a região é também uma missão quase impossível, avalia o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade. “A Europa não vai manter o mesmo patamar de compras no próximo ano”, diz. Mas, se por um lado fica mais difícil exportar, o caminho inverso é facilitado. A grande ociosidade na Europa tem derrubado os preços dos manufaturados. “Isso estimula as nossas importações”, diz Bruno Lavieri, analista da Tendências Consultoria. Com o mercado aquecido no Brasil, os europeus buscam também oportunidades de negócios. Na semana passada, o vice-presidente da Comissão Europeia, Antonio Tajani, esteve em Brasília com uma delegação de 30 empresários.
“O Brasil se tornou prioridade para a Europa em tempos de crise”, afirmou Tajani. Os países emergentes passaram a ser uma questão de sobrevivência para as empresas europeias, que cada vez mais encontram dificuldade de acesso ao crédito. Na semana passada, o Banco Central Europeu alertou que os riscos à estabilidade financeira na Zona do Euro cresceram consideravelmente no segundo semestre. “A crise de dívida soberana e seus efeitos sobre o setor bancário pioraram”, diz a BCE. Com balanços abarrotados de papéis soberanos sem nenhum valor, os bancos europeus vivem sob a ameaça de rebaixamento pelas agências de classificação de risco. Dessa forma, o bloco chega a 2012 sob a ameaça de uma crise sistêmica. Resta saber: dias melhores virão?
Colaborou Denize Bacoccina