Ser ou não ser o queridinho da vez? Eis a questão. Parafraseando um dos célebres versos da tragédia Hamlet, do dramaturgo William Shakespeare, sem dúvida alguma um dos autores preferidos dos redatores da revista britânica The Economist, o Brasil se pergunta se perdeu o encanto de outrora, que levou o mundo, dos dois lados do Canal da Mancha, a alçá-lo à condição de bola da vez da economia global. A expectativa era alta demais, sugerem alguns, e o ajuste da imagem, um processo saudável, está em curso. O economista Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC de São Paulo, entretanto, tem outra versão para o comportamento ciclotímico de certos analistas. 

 

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Obras no Itaquerão: perspectivas para crescimento da infraestrutura continuam firmes,

com projetos para a Copa do Mundo

 

“O Brasil perdeu a atração para quem fazia arbitragem”, afirma Lacerda, sem meias palavras, lembrando que a queda de juros acabou com a festa dos investidores e especuladores de curto prazo, que captavam recursos baratos no Exterior e aplicavam no mercado brasileiro para ganhar com as altas taxas de um passado recente. Para gente como Lacerda, quem está de olho no longo prazo, entretanto, enxerga um momento de transição: o País busca sair do crescimento baseado no consumo para crescer com mais investimento produtivo. “É exatamente o oposto do que busca a China”, diz Elizabeth Johnson, diretora de pesquisa para o Brasil da consultoria britânica Trusted Sources, especializada em economias emergentes. 

 

“Tanto lá, como aqui, o processo é lento.” No momento, o País ainda digere o baixo desempenho do PIB no último trimestre. Todos os ingredientes haviam sido colocados na receita da expansão, mas o bolo não cresceu a contento. A árdua tarefa de elevar a taxa de investimento mostrou-se mais complexa do que parecia. Embora os incentivos concedidos pelo governo para investir tenham começado ainda no ano passado, as sementes estão germinando a um ritmo aquém da expectativa. Qual seria, então, o caminho para transformar em realidade a meta de um PIB mais elevado, mantendo um ambiente favorável aos investimentos? É hora dos ajustes na receita inicial do bolo, uma vez que o diabo, como se sabe, mantém a predileção pelos detalhes. 

 

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Lacerda, da PUC de São Paulo: “O Brasil perdeu a atração para quem fazia arbitragem

no mercado com os juros altos”

 

“Nós reconhecemos que o governo está muito focado em suprir os gargalos de infraestrutura”, diz Otávio Azevedo, presidente do grupo Andrade Gutierrez, que está presente em praticamente todos os setores críticos de infraestrutura, em projetos como a reforma do Maracanã e a usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Rondônia. Mas para atrair investidores nacionais e internacionais, explica o mineiro Azevedo, é necessário mais do que isso: é preciso superar também os gargalos regulatórios e a inércia burocrática dos órgãos públicos, que precisam liberar toda sorte de licenças – de estudos técnicos, a decisões ambientais, além de proporcionar maior clareza nas regras. 

 

“Enquanto houver dúvidas legais, as empresas deixam de investir”, afirma. A queda na taxa de investimento no terceiro trimestre, que ficou em 18,7% do PIB, é uma prova inequívoca desse quadro. O que não quer dizer que o Brasil procrastinou a execução de políticas consistentes, em 2012, como sugerem os pessimistas. A própria Andrade Gutierrez, que é sócia da Cemig, e amargou perda do valor de mercado com as mudanças nas regras dos contratos de concessão, investiu R$ 12 bilhões neste ano nos diversos projetos que comanda, e deve repetir a mesma cifra no ano que vem. Outros setores, que andavam adormecidos, como a indústria ferroviária, celebram as perspectivas de longo prazo. 

 

“Nosso mercado estará aquecido pelo menos nos próximos dez anos”, afirma Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer). Na semana passada, várias notícias deram conta de que a bola continua em campo no País, apesar dos pesares. Na segunda-feira 11, o diretor de política monetária do Banco Central, Aldo Mendes, informou que o investimento estrangeiro direto chegará a US$ 66 bilhões, neste ano, muito próximo do recorde alcançado em 2011. Na quarta-feira 12, a Eldorado Brasil, da holding J&F, do grupo frigorífico JBS, inaugurou uma fábrica de celulose em Três Lagoas (MS), que consumiu um investimento de R$ 6,2 bilhões (leia entrevistaAQUI). 

 

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Albuquerque, do Santander: ”Apetite para investir não falta. O governo só precisa

manter seu programa de licitação de obras”

 

Na quinta 13, a Abinee, associação que representa a indústria eletroeletrônica, anunciou que investirá R$ 4,6 bilhões no ano que vem, 14% a mais do que neste ano. “Apetite para investir não falta”, diz Mauro Albuquerque, superintendente-executivo de project finance do Banco Santander, em São Paulo. “O governo só precisa manter seu cronograma de licitações e obras.” Eis um daqueles detalhes que fazem toda a diferença na planilha dos investidores, principalmente no setor de infraestrutura. Embora o governo tenha feito seguidos anúncios de incentivos para atrair a iniciativa privada, o ritmo para tirar os projetos do papel é lento. 

 

“Falta um planejamento mais transparente, com cronograma de datas, metas de desempenho e expectativas de demanda de cada setor”, diz Sergio Monaro, diretor de project finance do banco HSBC, de São Paulo. Na mesma linha, a economista Elizabeth Johnson, da consultoria Trusted Sources, diz, ainda, que é preciso empregar mais velocidade no processo, para que o País não perca o fio da meada. Ela cita as concessões dos aeroportos como um exemplo emblemático desse quadro: o primeiro contrato desse tipo, para a construção do terminal de São Gonçalo do Amarante, em Natal, foi assinado somente em agosto do ano passado. E apenas em fevereiro deste ano houve uma segunda rodada de concessões, quando foram privatizados os aeroportos de Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, além do terminal de Brasília. 

 

“Daí, passou-se praticamente um ano de debates, para termos uma terceira rodada dessas concessões, que deve acontecer na semana que vem”, diz Elizabeth. “Mas o País precisa de investimentos para ontem.” O governo federal tem procurado ajustar alguns modelos de concessões, como aconteceu com os próprios aeroportos, para azeitar a relação com a iniciativa privada. Na quarta-feira 12, a presidenta Dilma Rousseff anunciou, em Paris, durante a sua visita ao presidente François Hollande, que as novas licitações aeroportuárias, que podem ser anunciadas nesta semana, não terão mais a Infraero, estatal responsável pela gestão do setor, como sócia majoritária de um parceiro privado. 

 

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Azevedo, da Andrade Gutierrez: ”É preciso superar os gargalos regulatórios. Enquanto houver

dúvidas legais, as empresas deixam de investir”

 

Essa era a ideia inicial da presidenta, que recuou a pedido dos próprios donos do dinheiro. Antônio Droghetti, vice-presidente do Consórcio Inframerica, que detém as concessões dos aeroportos de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, e de Brasília, diz que, mesmo assim, o aumento do transporte aéreo, em torno de 10% ao ano, continua a ser o grande atrativo do mercado brasileiro. “Não há motivo para deixar de investir”, diz Droghetti. “Se o governo criar regras mais duras nos próximos editais, vamos nos adequar a elas.” No entanto, quedas de braço públicas, como as que foram travadas com as estatais elétricas, durante a renovação dos contratos de concessões nas últimas semanas, deixam um ponto de interrogação no ar, e tendem a colar no governo o rótulo de “intervencionista”. 

 

Para o economista Corrêa de Lacerda, esse é mais um capítulo das dores do crescimento, principalmente quando se tenta transpor distorções históricas. “O governo está mexendo em vespeiros”, diz Lacerda. Na prática, a iniciativa privada mostra-se dividida na hora de fazer suas apostas. Segundo Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, do Rio de Janeiro, a receptividade aos projetos de infraestrutura propostos pelo governo varia de acordo com o setor. “As concessões em rodovias, aeroportos e portos privados têm regras muito claras e boas oportunidades de retorno do investimento”, diz Frischtak. 

 

Apetite para investir: a receptividade aos projetos de infraestrutura propostos

pelo governo é boa, mas empresários querem mais clareza nas regras

 

“Por outro lado, as licitações de portos públicos, cuja gestão manterá influências políticas, e as últimas concessões em energia e as de ferrovias, ainda despertam desconfiança, por conta do histórico de burocracia e má administração pública.” Para Eduardo Farhat, diretor-executivo do fundo Darby Overseas, de São Paulo, as recentes intervenções foram feitas de modo “atabalhoado”, o que gera um ruído para investidores. “Isso acende o sinal amarelo”, diz Farhat. Mas não a ponto de reduzir as apostas no Brasil. A própria Darby, que administra US$ 3,5 bilhões em ativos no País, na área de infraestrutura, vai aumentar os aportes em 2013. “É um longo caminho e estamos apenas no começo dessa maratona.” O País pode ganhar mais impulso, em 2013, com algumas correções de rota. 

 

Capital para fazer essa roda girar não falta. Só o mercado de debêntures voltadas à infraestrutura pode crescer exponencialmente. “Estima-se que o atual estoque de R$ 2 bilhões em debêntures cresça para R$ 16 bilhões, em 2013, por conta de projetos em energia eólica, rodovias e usinas hidrelétricas que começarão a ser financiados no ano que vem”, diz Mauro Albuquerque, do Banco Santander. O diretor-geral da Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), Hélcio Tokeshi, vê um grande interesse dos investidores em colocar recursos em projetos brasileiros. “Teremos uma década de juros baixos no mundo”, diz Tokeshi. “Quem tem dinheiro não tem onde colocar.” Esta realidade, porém, não pode deixar o Brasil se acomodar. “A questão não é ser melhor que o Brasil do passado, mas encarar a competição mais agressiva com os demais países”, diz Corrêa de Lacerda.

 

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Colaborou: Luis Artur Nogueira