A sede do banco BTG Pactual localiza-se em um prédio moderno na região mais valorizada da avenida Faria Lima, zona sul de São Paulo, compartilhado com algumas das maiores empresas do País. Está nas mãos do sócio José Luiz Acar Pedro, 58 anos, a missão de levar esse banco de elite para outro universo: os centros de comércio popular como o Largo da Batata, em São Paulo, ou o Saara, no Rio, muito distantes das luxuosas salas de reunião com obras de arte adornando as paredes. 

 

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“Queremos aproveitar o potencial de geração de negócios do PanAmericano”

José Luiz Acar 

 

É Acar, como é conhecido, quem vai comandar a investida do BTG Pactual no varejo bancário, usando a estrutura do banco PanAmericano, que pertencia ao empresário Silvio Santos. 

 

O BTG Pactual comprou o banco de Silvio a preço de saldos e retalhos, por R$ 450 milhões, e sua meta ambiciosa é colocá-lo entre os dez maiores bancos do País em três ou quatro anos. 

 

Aos 40 anos de carreira em grandes instituições financeiras, Acar é pouco conhecido fora do mercado, mas esteve envolvido em alguns dos maiores negócios entre bancos nas últimas décadas. 

 

Começou sua  trajetória profissional no banco BCN, de Pedro Conde, e participou de sua venda ao Bradesco, em outubro de 1997. Continuou na Cidade de Deus por mais 14 anos, cuja presidência chegou a disputar, perdendo a indicação para Luiz Carlos Trabuco Cappi em 2009. 

 

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Agora, como CEO do PanAmericano, terá como meta acelerar o financiamento ao consumidor, principalmente aquisição de veículos, e conceder empréstimos a médias e pequenas empresas. 

 

“Queremos aproveitar o potencial de geração de negócios do PanAmericano, com 260 pontos de venda e 1,5 milhão de clientes em cartão de crédito”, disse Acar em entrevista à DINHEIRO.

 

O PanAmericano terá um impacto profundo no modelo de negócios do BTG Pactual. O banco é uma sociedade com 33 participantes. Entre eles há nomes míticos do sistema bancário, como André Esteves, um dos sócios do antigo Pactual, o ex-presidente do Banco Central (BC) Pérsio Arida, Antonio Carlos Canto Porto Filho, o Totó, outro ex-diretor do BCN, e o consultor e reestruturador de empresas Cláudio Galeazzi – todos acostumados às grandes operações de atacado e conhecedores do varejo bancário, mas até então sem um grande canal para explorar essa atividade cada vez mais valorizada no Brasil devido ao avanço da classe média. 

 

Agora, a aquisição do PanAmericano fez o incansável banco de Esteves ganhar sua quarta linha de negócios, o varejo. A principal sempre foi a de banco de investimentos, com venda de ações e dívida de empresas e assessoria a fusões e aquisições. 

 

A segunda é a área de gestão de recursos, que administra R$ 90 bilhões em fundos de investimento. A terceira, a administração de fortunas, gere R$ 30 bilhões. O apetite do BTG Pactual, contudo, não está saciado. Já prepara uma nova investida na área financeira. 

 

“Acho bem provável adquirimos ainda este ano corretoras em países da América Latina que estão indo bem, como Colômbia, Peru, Chile e México”, diz Roberto Sallouti, sócio e CEO do BTG Pactual. 

 

“Nosso diferencial hoje é ser um banco de investimento brasileiro com presença global. Distribuímos produtos brasileiros nos Estados Unidos e Europa e agora queremos nos tornar o banco de investimento da América Latina.”

 

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O BTG Pactual também vem investindo pesado fora do setor bancário. Na quinta-feira 3, informou que estava adquirindo, por meio de sua controlada Brasil Pharma,a rede de farmácias Mais Econômica, no Rio Grande do Sul, além de estar assumindo o controle da problemática rede de varejo carioca Casa & Vídeo. 

 

Uma de suas especialidades é adquirir empresas em situação difícil. Foi o caso do PanAmericano, que está sendo comprado por uma fração de suas dívidas devido às fraudes contábeis descobertas em novembro passado.

 

Numa espécie de Proer privado, o PanAmericano foi salvo da bancarrota sem o uso de um tostão de dinheiro do governo. Quem está assumindo o grosso do prejuízo é o Fundo Garantidor de Crédito, ou FGC, formado por contribuições pagas por todos os bancos e que garante a segurança do sistema bancário, cobrindo depósitos de até R$ 70 mil por cliente em caso de quebra. 

 

Indiretamente, os correntistas bancam essa segurança por meio de tarifas bancárias. O rombo do PanAmericano é de R$ 3,8 bilhões, mas o Fundo aceitou vendê-lo por R$ 450 milhões à vista, amargando uma perda de R$ 3,3 bilhões. 

 

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Se quiser, o BTG Pactual poderá pagar esses R$ 450 milhões em até 17 anos, corrigidos por 110% do CDI. “Escolhemos o menor prejuízo.” Foi assim que Antonio Carlos Bueno, diretor-executivo do FGC, explicou a operação que salvou o banco e, por tabela, o empresário Silvio Santos. 

 

Sem a transferência ao BTG Pactual e a continuidade das operações do PanAmericano, as consequências seriam muito piores, disse Bueno com exclusividade à DINHEIRO. 

 

O prejuízo do FGC poderia quase triplicar e atingir R$ 10,8 bilhões se o PanAmericano quebrasse, afirma Bueno. O Fundo Garantidor perderia os R$ 2,5 bilhões que já havia emprestado ao banco, mais R$ 3,3 bilhões que teria que honrar em depósitos garantidos. 

 

Os correntistas e investidores em CDB perderiam ainda R$ 5 bilhões, até que se tentasse recuperar algo dos créditos para ressarci-los. A quebra poderia também ter impacto negativo em todo o sistema bancário. 

 

“O PanAmericano havia captado cerca de R$ 1,8 bilhão no Exterior e uma quebra traria escassez de recursos para todos os bancos pequenos”, diz Bueno. “Isso sem contar a perda de 1.200 empregos diretos e as perdas dos pequenos investidores que possuem ações do banco.”

 

Como explicar esse buraco? Já está claro que a maior parte do rombo do banco PanAmericano deveu-se a fraudes. A dúvida é sobre qual fatia da fraude decorreu dos esforços para encobrir a operação deficitária e qual foi armada para desviar dinheiro do banco. 

 

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“Não perdi nem ganhei nada”, disse o apresentador Silvio Santos ao anunciar o acordo fechado com o BTG Pactual

 

“Além disso, a própria fraude aumenta o rombo  porque incidem sobre os lucros fictícios dividendos e impostos”, diz um conhecedor do assunto. O balanço de setembro ainda não está publicado, mas estima-se que os ativos a ser divulgados sejam muito menores que os R$ 11,88 bilhões de junho, devendo cair para R$ 6 bilhões. 

 

Foi ao receber a má notícia dos auditores que Bueno percebeu que o acordo fechado em novembro passado não seria capaz de salvar o banco. Os bens de Silvio Santos, dados como garantia, não cobriam o rombo. Bueno avisou o BC que, sem um comprador, o PanAmericano iria quebrar. 

 

Aí começou a parte mais dura da transação. “Silvio Santos é um negociador extremamente difícil”, diz um advogado que acompanhou o processo de perto. Intransigente, ele não abria mão de blindar suas outras empresas – a rede de televisão SBT, a empresa de varejo Baú da Felicidade e a fabricante de cosméticos Jequiti, entre outras – das dificuldades do banco. Silvio também se resguardava afirmando não entender a atividade bancária. 

 

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Na cúpula da Cidade de Deus: Acar na bolsa de Nova York, no dia do lançamento dos papéis do

Bradesco em Wall Street: trajetória em diversas áreas do banco

 

“Ele argumentava que não compreendia o que estava acontecendo e não entendia por que o banco estava com problemas”, diz o advogado. “Ele parecia duvidar que o PanAmericano pudesse quebrar.” 

 

Sua atitude só mudou depois de um telefonema bastante convincente do presidente do BC, Alexandre Tombini, na segunda-feira 31, alertando-o das consequências de uma intervenção no PanAmericano – que poderiam incluir o bloqueio de seus bens. Com isso, Sílvio tornou-se mais receptivo à ideia. A próxima tarefa do FGC era encontrar um comprador com recursos suficientes para enfrentar o problema.

 

Os candidatos mais óbvios eram Bradesco e Itaú Unibanco, mas eles não se interessaram. O Bradesco não quis nem olhar o negócio, segundo um executivo do banco. O argumento foi a participação de 49% que a Caixa possui no PanAmericano. 

 

Ao ter um sócio, ele não poderia integrar a financeira de Sílvio à sua própria operação de crédito (ao longo dos anos o Bradesco comprou várias operações parecidas, como a do BMC e do Banco Ford, entre outras), e com isso obter ganhos com sinergias. O Itaú também nem considerou o assunto. O banco considera que as suas necessidades no mercado de crédito estão bem resolvidas com a Fininvest, financeira que veio junto com o Unibanco. 

 

A solução foi o BTG Pactual, que não tem rede de agências e mostrou-se disposto a enfrentar a encrenca de colocar o PanAmericano nos eixos – desde que o valor pago não tornasse inviável obter lucro do negócio. 

 

Após um fim de semana de negociações intensas, o contrato foi assinado às 21h30 da segunda-feira 31 de janeiro. O BTG Pactual foi representado por seus sócios André Esteves, Roberto Sallouti e Marcelo Kalim. 

 

Pesou também a parceria com a Caixa Econômica Federal, que já se comprometeu – informalmente, diz Acar – a proporcionar linhas de financiamento para o PanAmericano. Ambos, Caixa e BTG Pactual, vão oferecer até R$ 14 bilhões para o banco, sendo que a Caixa vai entrar com R$ 10 bilhões. “Será tudo a preços de mercado. Não haverá subsídio”, diz Acar. 

 

Será que o PanAmericano vai conseguir disputar mercado com os gigantes do crédito? O banco perdeu um de seus principais trunfos, que era a parceria com o Sistema Brasileiro de Televisão e seu principal acionista. Silvio não virá mais aí para vender os produtos do banco em seus programas, o principal diferencial do banco. Ele deixou a sede do BTG Pactual sorridente na segunda-feira. “Não ganhei nem perdi nada”, afirmou. 

 

Sem Sílvio, o PanAmericano será só mais um banco a disputar o concorrido mercado de financiamento ao consumo. A seu favor estão a vasta experiência dos novos donos e o tino por bons negócios. Não fosse por eles, muitos teriam perdido dinheiro, inclusive os pequenos acionistas do banco, que lançou ações na bolsa em novembro de 2007.

 

Os investidores foram salvos de suas ações virarem pó, mas nem todos estão felizes com o desfecho. O BTG Pactual está oferecendo a eles R$ 4,89 por suas ações, pouco acima do mínimo de R$ 4,00 registrado quando foi descoberto que o rombo era maior que o inicialmente imaginado. 

 

Mas houve quem lucrasse muito dinheiro antes de a operação ser concluída. Os papéis subiram mais de 20% nos dias anteriores ao negócio. A Comissão de Valores Mobiliários confirmou na quinta-feira 3 que está investigando a oscilação das ações desde novembro, data da divulgação dos primeiros problemas, para apurar se alguém operou com informação privilegiada sobre o rombo ou a aquisição do banco. 

 

 

“Se não der lucro, cortam meu pescoço” 

 

O administrador de empresas paulistano José Luiz Acar Pedro, o homem que assumirá o comando do PanAmericano, chegou há quatro meses no BTG Pactual. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à DINHEIRO na noite da quarta-feira 2.

 

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Qual vai ser a estratégia do BTG Pactual no varejo com o  PanAmericano? 

A ideia é concentrar o banco no financiamento ao consumo, principalmente de veículos, no middle market (crédito a empresas de pequeno e médio portes) e também em cartões de crédito. Hoje, a maior parte da carteira, cerca de 60%, é de veículos, depois  vem o consignado, que deve representar uns 30%. O restante é middle market, que eles ainda estavam começando a desenvolver.É iimportante a capilaridade proporcionada pelos 260 pontos de venda. 

 

O banco vai continuar concentrado na classe C?

A clientela do banco hoje não é só da classe C. O perfil do cliente de financiamento de veículos que compra carro usado ou zero é totalmente diferente. É evidente que a classe C é a que está vindo e que tem uma propensão boa de consumo, mas a carteira é maior que isso. Em cartões de crédito, eles têm cerca de 1,5 milhão de clientes. É importante dizer que essa é a estratégia para o PanAmericano, que continuará como uma marca separada do BTG Pactual. 

 

O banco tem uma meta de tamanho, de estar entre os dez maiores?

O objetivo do banco não é atingir um determinado market share, mas chegar a um retorno sobre o capital entre 20% e 30% ao ano. É evidente que um banco como esse, para ser rentável, precisa ter uma certa escala.  Acreditamos que é possível gerar uma carteira de crédito de R$ 1 bilhão a R$ 1,2 bilhão ao mês. Como essas carteiras têm um prazo que não é curto, você forma uma base grande e consegue acumular  entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões em três ou quatro anos. 

 

Como vai ser explorada a parceria com a Caixa Econômica Federal?

Por enquanto, ainda são apenas ideias, que serão discutidas por um comitê específico com a Caixa . Não tivemos tempo ainda de fazer um plano de negócios completo, mas podemos falar da criação de produtos. Uma ideia, por exemplo, é que o PanAmericano distribua fundos de investimento do BTG ou ofereça produtos para as empresas médias. Agora,  eu sou o “filhinho” desses dois “pais”,  que vão me ajudar a tocar o negócio. 

 

O crédito imobiliário pode ser uma alternativa?

O crédito imobiliário será um produto estratégico em algum momento, mas teria de ser fora do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), onde a Caixa é campeã. A ideia por trás desses novos produtos que podemos criar no PanAmericano não é competir com a Caixa nem com o BTG. 

 

Como chegar a um retorno de 30% , se a operação dava prejuízo até agora?

O que aconteceu no passado já foi. Agora, queremos fazer uma coisa muito simples, reduzir o custo que o banco tinha para captar recursos aos níveis dos custos da Caixa e do BTG Pactual, que estão em torno de ser de 101% do CDI (taxa do mercado interbancário). Queremos investir também em eficiência e reduzir custos operacionais, investir muito em tecnologia, em processos. Varejo é isso, tem de ter escala, com um custo baixo, e oferecer um bom serviço.

 

Quando o banco passará a ser lucrativo? Já neste ano?

É difícil dar um prazo, vai levar um tempo. Seria um chute falar. Se no ano que vem não der lucro,  cortam o meu pescoço… O banco também não fará mais cessão de carteira, como acontecia antes e antecipava resultados. Nossa ideia é fazer essa carteira crescer, apropriar as despesas e receitas ao longo do tempo do crédito.  Esse é um modelo melhor de negócio, de não antecipar as receitas. Mas, claro, isso cria uma evolução diferente nos resultados do banco. 

 

Não é arriscado investir justamente numa área em que há o risco de elevação da inadimplência, com o novo ciclo de alta de juros?

Para gerar crédito com qualidade, é necessário ter um bom processo de avaliação de crédito, com sistemas de pontuação dos clientes, por exemplo. Sem dúvida, essa linha de negócios está sujeita aos ciclos da economia. Mas, em princípio, não acreditamos que haverá uma reversão dessa tendéncia positiva, pois o Brasil está indo bem em termos de renda e emprego. O Banco Central só restringiu o excesso de crescimento do financiamento de veículos.

 

Haverá mudanças na diretoria do PanAmericano?

Vamos manter a equipe que a Caixa colocou lá, há gente muito boa, que deve ser preservada. Vamos manter na diretoria o Celso Antunes, que veio do Real. Depois da aprovação do negócio pelo Banco Central, vamos indicar nossos diretores. Provavelmente, serão Roberto Sallouti, André Esteves e Marcelo Kalim.