24/06/2016 - 20:00
Irreversível. Essa foi a palavra mais pronunciada nos discursos de diversas autoridades, do presidente francês François Hollande, ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, durante a COP 21, conferência mundial sobre o clima realizada em dezembro do ano passado, na capital francesa. Era uma referência a um caminho sem volta, que levará a um aumento nos esforços para redução das emissões de carbono com o objetivo de reduzir o aquecimento global. “Eu estava lá e, realmente, isso era um consenso”, afirma o advogado Eduardo Felipe Matias, sócio do escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias, especializado em meio ambiente. Ainda que os britânicos tenham chocado o mundo ao votarem pelo Brexit, na quinta-feira 23 (leia reportagem à pág. 30), o consenso a respeito das questões ambientais é tão forte que deve se manter intocado, mesmo em caso de uma ruptura geral nas relações europeias, diz Matias. “Crises como essa acabam tomando toda a atenção, mas há um círculo virtuoso movimentando as ações contra o aquecimento global que dificilmente será quebrado.” Esse processo engloba não só governos, mas também a iniciativa privada, do setor produtivo ao financeiro.
Da COP 21, emergiu o Acordo de Paris, assinado por 195 países. Ele estabelece a meta ambiciosa de conter o aumento da temperatura global em bem menos do que 2°C, tendo como ponto de partida os níveis pré-industriais. Considerando que a média da temperatura global já aumentou em 1°C desde a Revolução Industrial, trata-se de um esforço gigantesco. Será preciso reverter uma tendência que vem acontecendo há séculos e, para isso, serão necessárias medidas drásticas, que envolvem mudanças em processos produtivos e legislações mais severas. Ainda que isso gere, especialmente em momentos de crise, apreensões no setor empresarial, a mudança para uma economia mais amigável ao meio ambiente cria diversas oportunidades para a iniciativa privada.
Passados mais de seis meses desde a assinatura do histórico documento, as ações ainda caminham lentamente. Mas avançam. Até o momento, 18 países ratificaram o acordo, entre eles a França. Para ele entrar em vigor, em 2020, são necessárias 55 ratificações, sendo que o grupo deve representar, no mínimo, 55% das emissões mundiais. O Brasil é um dos signatários, mas ainda deve levar o acordo ao Congresso para ratificá-lo. Em meados de junho, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação desse projeto, mas ainda não há uma data prevista para a votação. “O que senti, nas primeiras conversas com os líderes, é que não há grandes dificuldades para que isso venha a acontecer”, afirmou o deputado Evandro Gussi (PV-SP), autor do requerimento de urgência. “Seria um gesto de protagonismo para o Brasil.”
Logo após a conferência, a então ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que participou das negociações em Paris, disse que o País estava “muito satisfeito” com o resultado. A maioria dos pontos defendidos pelo Brasil acabou entrando no documento. Entre eles, o compromisso dos países desenvolvidos de prover US$ 100 bilhões por ano, até 2025, para os países mais vulneráveis se adaptarem às mudanças climáticas, e a criação de um mecanismo de mercado para limitar as emissões, o que abre as portas para a existência, de fato, de mercados globais de créditos de carbono. Esse ponto representa uma oportunidade imensa para empresas brasileiras. A ideia é que nações, governos locais e até companhias possam transacionar direitos de poluição e descontá-los de suas metas de redução. Atualmente, existem 17 tipos de comércio de emissões de carbono, em nível nacional, regional ou municipal, que movimentam US$ 49 bilhões por ano, no mundo. Em 2017, a China deve colocar em prática o seu mercado nacional de carbono.
Não por acaso, mais de 400 líderes empresariais estiveram em Paris para anunciar compromissos na área ambiental. Um estudo divulgado pela Caring for Climate Business, coalizão formada por 450 empresas de 65 países, incluindo companhias brasileiras como Braskem e Natura, mostra que 70% das empresas com receita superior a US$ 1 bilhão enxergam o combate às mudanças climáticas como uma oportunidade de crescimento e inovação, nos próximos cinco anos. Paul Polman, CEO da Unilever, por exemplo, disse que a fabricante de bens de consumo pretende se tornar positiva em carbono, ou seja, acumular mais gases do efeito estufa do que emite, já em 2017. Um grupo de 40 companhias francesas lançou um manifesto se comprometendo a investir € 45 bilhões no desenvolvimento de iniciativas que acelerem a adoção de fontes renováveis de energia. Diversas iniciativas para reduzir as emissões estão surgindo, também, no Brasil. A Embrapa, por exemplo, acredita ser possível aumentar em mais de 100 milhões de cabeças de gado o rebanho brasileiro, atualmente em 200 milhões de cabeças, sem adicionar um centímetro a mais de pasto, e ainda reduzir as emissões. “É possível, apenas com gestão do solo e tecnologia”, diz o pesquisador Eduardo Assad. A pecuária é um dos setores que mais emitem carbono e o Brasil é dono do maior rebanho comercial do mundo.
Segundo Eduardo Matias, é possível identificar alguns fatores que levam os líderes empresariais a colocarem a proteção ao meio ambiente como uma prioridade. “As pessoas estão sentindo na pele os efeitos das mudanças climáticas”, afirma. “O próprio conceito de sustentabilidade, que está baseado na ideia de ser responsável hoje para garantir o sustento das gerações futuras, está mudando para um discurso mais baseado no presente.” A crise hídrica vivida pelo Estado de São Paulo no ano passado é um exemplo disso. A falta de água aumentou a consciência sobre a necessidade de usar os recursos com inteligência.
Outro fator que leva os empresários a buscarem estratégias de descarbonização é o fato dos investidores já estarem entrando pelo mesmo caminho. Um exemplo disso é a Portfolio Decarbonization Coalition (PDC), grupo que reúne uma série de gestores de investimentos, de vários países, entre eles grupos como Allianz e BNP Paribas, que se comprometeram a mover boa parte do seu capital, de setores com emissão intensa de carbono, para empresas ecologicamente eficientes. O PDC reúne mais de US$ 3 trilhões em ativos. Seus membros já se comprometeram a descarbonizar US$ 600 bilhões do montante total. É um volume de dinheiro que não pode ser ignorado.
Confira, os principais projetos de meio ambiente no Brasil
União verde
Empresas como Amaggi, Cargill, Carrefour, Eldorado Brasil, Monsanto e Unilever, entre outras, se uniram na Coalizão Brasil Clima para promover a conservação das florestas, sem prejudicar a produção de alimentos. Em 25 anos, o planeta perdeu 1,3 milhão de km² de matas, grande parte para campos de cultivo
Água para todos
Rivais históricas, Coca-Cola e Ambev vão trabalhar juntas para proteger a Bacia do PCJ, formada pelos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, no Estado de São Paulo. As primeiras ações se concentrarão na região de Jundiái, com a restauração de áreas próximas aos rios em propriedades rurais
Tatu protegido
A Fundação Grupo Boticário está apoiando o Programa de Conservação do Tatu-bola, da ONG Associação Caatinga. Nos próximos quatro anos, a iniciativa irá identificar as áreas com maior presença do animal, com o objetivo de criar unidades de conservação. O tatu, mascote da Copa do Mundo, corre sério risco de extinção
Chocolate sustentável
A Nestlé está produzindo os chocolates Kit Kat apenas com cacau cultivado em fazendas sustentáveis, gerenciadas pela companhia em parceria com agricultores da Costa do Marfim, na África. O projeto conta com apoio da fundação Didier Drogba, criada pelo jogador de futebol marfinense, ídolo do time inglês Chelsea
Banco hídrico
O programa Água Brasil, do Banco do Brasil, que incentiva a disseminação de práticas sustentáveis no uso da água, atingiu mais de 15 milhões de pessoas. Dos agricultores participantes, 30% mudaram seu modo de produção. Além disso, 234 professores e 700 catadores receberam treinamento sobre preservação de rios
Vai e volta
Metade das vendas da Ambev já é proveniente de embalagens retornáveis. Há quatro anos, a empresa passou a investir nesse modelo também nos supermercados, e não somente em bares e restaurantes. Hoje, as garrafas de vidro, de 300 ml, 600 ml e de 1 litro, são responsáveis por 14% dos líquidos comercializados
Bela economia
De 2005 a 2015, a L’Oréal reduziu em 67% as emissões de CO2 em suas operações brasileiras. O porcentual é maior do que o registrado pelo grupo, globalmente: 56% de queda. O resultado foi puxado pelo uso da Caldeira Flex, tecnologia que substitui o gás natural pelo etanol em suas fábricas, e pela boa gestão hídrica
Cosmético social
A The Body Shop está avançando em sua política de atuar somente com fornecedores sustentáveis. Atualmente, 20 ingredientes básicos de seus produtos são oriundos de parcerias com cooperativas ao redor do mundo, incluindo a manteiga de karité, o óleo de babaçu e o de soja, – os dois últimos produzidos no Brasil
Fábrica de florestas
A Braskem contabilizou o plantio de 600 mil mudas de espécies nativas da Mata Atlântica desde 2007, por meio do Instituto Fábrica de Florestas (IFF). Somente no ano passado, o IFF produziu mais de 116 mil mudas, sendo que 39 mil delas foram plantadas nos Estados da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo
Tecnologia na mata
A SAP doou sua plataforma de sistemas de gestão Business One para a Empresa de Base Comunitária da Reserva de Uacari, a 1,6 mil quilômetros de Manaus, no Amazonas. A EBC desenvolve negócios baseados em produção sustentável. A região tem potencial para extração de óleos vegetais e açaí
Medalha de ouro
A Dow criou uma metodologia para mitigar todas as emissões de carbono dos Jogos Olímpicos Rio 2016. A meta é atingir um total de 500 mil toneladas de CO2 compensadas. Isso será possível por meio do uso de novas tecnologias, como materiais que melhoram a eficiência energética, em várias estruturas do evento
Tirando a lama
A francesa Veolia Water Technologies desenvolveu uma tecnologia capaz de transformar a lama que vazou da barragem de Mariana em tijolos e asfalto. A empresa quer construir uma usina próxima ao local do acidente. A unidade retira todo o resíduo tóxico da água, devolvendo o líquido completamente limpo ao rio
Carne monitorada
O Walmart está ampliando seu programa de monitoramento por satélite da carne bovina para todo o Brasil. O sistema, até então, era usado apenas no Estado do Amazonas. O software mapeia áreas de desmatamento, terras indígenas e unidades de conservação, além de cruzar os dados com listas de trabalho escravo
Varejo iluminado
O atacadista Assaí firmou parcerias com distribuidoras de energia para oferecer redução na conta de luz a clientes que levem às lojas do varjetista materiais reciclados, como vidro, metal, plástico e embalagens do tipo longa vida. O desconto é calculado de acordo com o peso do material entregue
Compostagem no mercado
Em 2015, 2,5 mil toneladas de resíduos orgânicos, como restos de alimentos, tiveram a destinação correta graças a um projeto realizado nas lojas do Pão de Açúcar e do Extra. O material é recebido e enviado a uma empresa parceira, especializada em compostagem. O que seria transformado em lixo, é utilizado como adubo
Confira:
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A vida sem petróleo
A melhoria do planeta num plano de negócio