17/04/2014 - 21:00
A falta de chuvas na temporada de verão, em São Paulo, levou a administração do Shopping Pátio Paulista, um dos maiores centros de compras da cidade, a incluir um novo item no rol de preocupações diárias: acompanhar as notícias sobre o nível de água no sistema Canteira, que abastece cerca de nove milhões de pessoas na região metropolitana. Em janeiro, quando o assunto começou a ganhar destaque na mídia, os executivos do shopping decidiram que era hora de buscar alternativas de captação de água, um insumo essencial para a operação do empreendimento. A saída foi negociar com a Sabesp a perfuração de um poço artesiano, e, ao mesmo tempo, tentar reduzir o consumo.
Recorde ingrato: o sistema Cantareira, que abastece parte da região metropolitana de São Paulo,
chegou ao seu mais baixo nível dos últimos 39 anos no dia 12 de abril, quando estava
com apenas 12% de sua capacidade
“Por mais caro que possa ser, é uma alternativa que temos de ter disponível”, diz Bruno Heringer, gerente de operações do shopping. O projeto foi encaminhado ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) de São Paulo, que demora, em média, três meses para concluir a análise. No caso do estabelecimento comercial, os gastos com água equivalem a 2,7% do custo operacional do empreendimento. Enquanto o poço não vem, a empresa olha com lupa o comportamento das caixas-d’água, que são suficientes para três dias de funcionamento. Se houver uma queda de nível muito grande, a saída será a contratação de carros-pipas.
O temor de um possível racionamento de água não é exclusividade do Shopping Pátio Paulista. Empresários de todos os setores – indústria, comércio, serviços e agricultura – estão preocupados com o nível dos reservatórios do sistema Cantareira, que atingiu o patamar de 12%, em 12 de abril, o mais baixo desde sua inauguração, há 39 anos. As chuvas dos últimos dias deram um pequeno alívio, chegando a 12,3%, mas ainda assim o risco de racionamento não está descartado. Em fevereiro, a Rhodia precisou paralisar a sua fábrica, em Paulínia, no interior de São Paulo, por 14 dias diante da escassez de água captada do rio Atibaia. Foi a primeira interrupção em 72 anos de história no Brasil.
Alternativas: no curto prazo, Goldemberg (à esq.), da Fecomércio, avalia que a economia é a única saída.
Já Heringer, do Pátio Paulista, fez um pedido de perfuração de um poço artesiano, mas a aprovação pode demorar três meses
A companhia belga informou que o sistema de resfriamento de torres de destilação ficou impossibilitado de funcionar. Nesse caso, no entanto, a quantidade de água necessária é tão grande que inviabiliza a contratação de caminhões-pipa. Para as empresas que se prepararam com antecedência, no entanto, o horizonte é mais tranquilo. O gerente corporativo da Braskem, Mario Pino, conta que a companhia começou a utilizar em novembro de 2012 a água de reúso do chamado aquapolo do Polo Petroquímico do ABC – atualmente, a companhia consome 65% da água desse sistema. No ano passado, foram dez bilhões de litros de água, o suficiente para atender toda a operação industrial.
“Esse tipo de projeto ajuda a reduzir a vulnerabilidade do negócio e é um diferencial competitivo”, afirma Pino. Já a margem de manobra para quem depende do abastecimento convencional é muito pequena, segundo José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade da Fecomércio de São Paulo. “A única medida de curto prazo que se tem é a economia”, diz. Em caso de racionamento, a maior dificuldade será enfrentada por estabelecimentos da área alimentícia, que terão de recorrer a caminhões-pipa para continuar a operar. Por enquanto, o governo Geraldo Alckmin descarta um racionamento e tenta incentivar a economia de água através de bônus oferecido pela Sabesp. Um bom exemplo de uso racional é dado pela Volkswagen.
A empresa investiu em cisternas para captar a água de chuva e utilizá-la no processo industrial. Outra decisão foi fazer um reaproveitamento interno. Ambas as iniciativas estão em uso na fábrica de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. O diretor de engenharia de manufaturas da montadora, Celso Luis Placeres, explica que todo o carro produzido passa por um teste de vedação de água e após esse processo a água é reutilizada. “Imagina se jogássemos essa água fora?”, questiona Placeres. Para o especialista Goldemberg, o atual momento crítico pode servir de aprendizado para todos os envolvidos, do poder público aos consumidores. “Considero o racionamento de água algo desastroso, mas é uma lição para que possamos pensar em adotar as medidas de médio e longo prazo”, afirma.