Em uma reviravolta elogiada pelo mercado financeiro, o presidente Michel Temer decidiu enviar ao Congresso Nacional, antes das eleições municipais, marcadas para outubro, uma proposta de Reforma da Previdência. Com isso, o Executivo reafirma sua disposição em atacar temas impopulares, mas necessários para conter o crescimento da dívida pública. Na segunda-feira 5, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a sinalizar que o governo deveria esperar a campanha eleitoral para enviar o projeto ao Congresso.

Como político experiente, Temer demonstrou entender o recado e considerou recuar, mas bateu o martelo no prazo de setembro para manter sua palavra e reforçar o compromisso com parte da base que cobra o ajuste, como o PSDB. Temos de entender que temos uma base parlamentar que tem posição diferente e está dialogando com o presidente, afirmou o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, na terça-feira 6. O segredo do presidente agora é fazer com que a base tenha um consenso mínimo. A proposta deve contemplar a idade mínima de 65 anos, com uma regra de transição, mas deve deixar de fora os militares.

É importante que a proposta seja consistente, que seja justa de um lado, mas que de outro lado garanta que o aposentado vá receber, afirmou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na segunda-feira 5, na China, durante encontro do G20 (leia reportagem aqui). A Previdência Social representa o maior gasto não-financeiro da União e pesa cada vez mais no Orçamento deve fechar este ano com um rombo de R$ 150 bilhões e pode chegar a R$ 180 bilhões em 2017. Nesta árdua tarefa, Meirelles conta em sua equipe com um economista altamente qualificado.

Marcelo Abi-Ramia Caetano, secretário da Previdência do Ministério da Fazenda, dedicou ao menos 17 anos de sua carreira a estudos sobre a Previdência Social. Seus trabalhos destacam com frequência o desafio político enfrentado por gestores públicos na tentativa de revisar as regras dos benefícios de modo a garantir a sustentabilidade do sistema. Num texto de 2006, o pesquisador chegou até a sugerir a adoção de reformas administrativas como uma alternativa para frear os gastos sem esbarrar no ônus político de alterações legislativas.

Ciente de que tais medidas serão insuficientes para resolver a urgência do déficit atual, Caetano encara, na prática, o desgastante papel de integrar o grupo incumbido de resolver a questão, que inclui um tema espinhoso: as polêmicas decisões do Judiciário contra a Previdência. Somente nos últimos cinco anos, a Justiça determinou, em média, a adição de 400 mil novos benefícios anuais, cerca de 8% das novas concessões. O INSS é o maior litigante do Judiciário, com pouco mais de um terço dos processos federais, segundo o último levantamento disponível do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Para a Associação dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), a questão é tão prioritária como a reforma em si. As decisões judiciais estão ficando tão abrangentes que daqui a pouco não será possível saber quem está dentro do sistema, diz Francisco Eduardo Cardoso Alves, presidente da entidade. O INSS está cercado pela Justiça. A entidade estima que os benefícios por decisão judicial já representem cerca de 10% do total dos desembolsos da Previdência, a um custo de R$ 20 bilhões ao ano.

Como primeiro passo, o governo anunciou uma força-tarefa para revisar o auxílio-doença de 530 mil beneficiários que não passaram por perícia nos últimos dois anos, a maior parte concedida via decisão judicial, além de 1,1 milhão de aposentadorias por invalidez. A expectativa é que até 30% sejam cortados, gerando uma economia de cerca de R$ 6 bilhões à União. Em seguida, devem ser reavaliados os cadastros do Benefício da Prestação Continuada (BPC), cujos gastos chegarão a R$ 43 bilhões em 2016. São cifras elevadas que compensam a dor de cabeça que os integrantes da equipe econômica terão para revisá-las.