O nome do investidor americano Carl Icahn provoca arrepios nas principais salas dos conselhos de administração dos Estados Unidos. O bilionário americano amealhou boa parte de sua fortuna comprando ações na bolsa e depois pressionando os principais executivos das empresas a mudar a gestão para valorizar seu investimento. Icahn é considerado o modelo para a atuação dos chamados investidores ativistas. Até pouco tempo atrás, jogadas como as de Icahn seriam impensáveis no Brasil. No entanto, com a mudança na estrutura de capital das companhias brasileiras, gestoras de fundos como Tarpon, Rio Bravo, Fama e Guepardo, entre outras, estão ganhando poder, promovendo reestruturações dos negócios, implantando novas estratégias e até trocando executivos das empresas em que investem. A diferença é que, enquanto Icahn colecionou brigas memoráveis com executivos de Yahoo e Motorola, os ativistas brasileiros são bem mais amigáveis. Um dos motivos é que, aqui, eles são obrigados a negociar com uma figura praticamente inexistente nos Estados Unidos, o controlador da empresa em que investem. 

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Guilherme Ferreira: gestor da Rio Bravo e da Bahema busca maior poder na Gafisa e em outras empresas de capital pulverizado

Um dos mais conhecidos ativistas do País, Guilherme Affonso Ferreira, da Rio Bravo, gestora que administra R$ 4 bilhões, diz que o foco no Brasil é menos predatório. “Queremos aumentar o valor das empresas, trazendo soluções que os controladores não têm.” Outra característica, diz ele, é que aqui não existem fundos interessados em comprar empresas para dividi-las e vender os pedaços, como é comum nos EUA. Um bom exemplo da influência dos ativistas brasileiros está na construtora paulista Rodobens Negócios Imobiliários, controlada pelo grupo Verdi, de São José do Rio Preto. No fim de 2010, a empresa enfrentava problemas graves de geração de caixa e alto endividamento. Construía empreendimentos sem antes garantir o financiamento por bancos e ficava com os imóveis na mão. Em suma: a Rodobens era o patinho feio entre as incorporadoras na bolsa.  

O conselheiro Mauricio Levi, representante da Fama Investimentos, que detém uma participação de 11,3% na companhia, insistia com Waldemar Verdi, controlador e presidente do Conselho, para mudar as coisas. Desde dezembro, a empresa passou por uma verdadeira revolução. Praticamente toda a diretoria mudou. O diretor financeiro Marcelo Borges, que havia sido contratado em dezembro, assumiu a presidência em julho. Em menos de um ano, chegaram à Rodobens outros quatro diretores: Julio Bellinassi, de vendas e marketing, Amilton Nery Júnior, de novos negócios, Osvaldo Gonsalves Costa, de desenvolvimento organizacional, e Flávio Vidigal Capua, que substituiu Borges na direção das finanças. Um agressivo plano de reestruturação, que começou pela área financeira e se estendeu a todos os processos, começa a dar resultados. “Reavaliamos tudo o que estávamos fazendo”, diz Borges. “Paralisamos algumas obras e desaceleramos os lançamentos até colocar a casa em ordem.” A empresa também vendeu ativos para reduzir seu endividamento, que caiu de 100%  para 58% do patrimônio. O lucro triplicou no primeiro semestre, atingindo R$ 58,7 milhões. 

 

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Rodrigo Sancovsky, sócio da Fama, diz que um dos princípios da gestora, que administra R$ 1,3 bilhão, é o ativismo sem conflitos. “Nossa filosofia é colaborar com os controladores e foi assim no caso da Rodobens, onde discutimos a reestruturação”, diz. Aos poucos, a necessidade de captar os recursos do mercado de capitais para financiar planos de expansão convence os empresários brasileiros a dar mais espaço e poder a seus maiores investidores. Eduardo Mufarej, sócio da Tarpon, que administra R$ 6 bilhões, já nota uma mudança. “As empresas antes eram refratárias à influência dos fundos, mas hoje não prescindem de uma participação engajada que as ajude a pensar sua estratégia”, diz. Segundo Mufarej, a Tarpon se envolve “até o pescoço” nas empresas, atuando não apenas no conselho, mas no dia a dia das companhias.   

 

A paranaense Bematech é um bom exemplo de empresa que fez mudanças profundas em sua administração, seguindo conselhos dos investidores de fora. Depois de oito aquisições desde sua abertura de capital, em 2007, a empresa especializada em automação comercial desenhou um plano para reduzir custos e melhorar os resultados. O novo presidente, Cléber Moraes, assumiu em abril, vindo da Avaya. Para reduzir despesas, toda a área de pesquisa, antes espalhada pelos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, foi concentrada num único laboratório em Jundiaí, no interior paulista. Escritórios internacionais na Europa e América Latina foram fechados e a empresa manteve bases internacionais na Ásia e nos Estados Unidos. Na China, onde são fabricados os equipamentos de automação comercial da Bematech, a busca por novos fornecedores está reduzindo os custos de produção. 

 

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O plano foi iniciado em 2009 e sua implantação deve terminar no fim deste ano, conta Marcel Malczweski, fundador e presidente do conselho de administração. O que poucos sabem é que a ideia da reestruturação e até a sugestão da consultoria para defini-la foram do conselheiro Sérgio Figueiredo, um dos sócios da gestora Guepardo. “O Sérgio imprime um senso de urgência à companhia”, afirma. O sócio da Rio Bravo, Mário Fleck, também é conselheiro. Nem sempre a contribuição dos fundos ativistas é tão radical. Quando as empresas exibem bons resultados e já têm boa governança corporativa, as mudanças podem ser mais sutis. A centenária Hering, por exemplo, tem a Tarpon e o banco inglês HSBC entre seus sócios, mas já havia feito sua principal mudança estratégica, de apostar no varejo, quando eles entraram no conselho. Segundo Fábio Hering, presidente da companhia, foi a partir de uma discussão com os sócios financeiros que a família controladora decidiu vender parte de suas ações para melhorar a liquidez dos papéis.

 

Com o aumento do percentual de ações em mãos do mercado, o chamado free float, para 65%, o volume médio de negócios sextuplicou de R$ 5 milhões para R$ 30 milhões. Outra contribuição da gestora foi trazer experiências do varejo. “Como a Tarpon tem participação em outras empresas, como Arezzo e Marisa, o conselho promove uma troca de experiências importante”, afirma Hering. O novo cenário do mercado de capitais brasileiro deve permitir uma maior participação e tornar mais atuantes os fundos ativistas nos próximos anos. Segundo dados da Bovespa, 47 empresas, entre as 125 listadas no Novo Mercado, não têm controladores definidos, o que amplia a possibilidade de ativistas assumirem um papel mais relevante, sem precisar enfrentar as resistências de acionistas majoritários. “A responsabilidade dos ativistas aumenta”, afirma Ferreira, que, além de gestor da Rio Bravo, investe em outros negócios por intermédio da  Bahema. Ele está tentando criar, junto com as gestoras Polo Capital e Schroders, um grupo para desempenhar, informalmente, o papel de controlador da incorporadora Gafisa.

 

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Às voltas com a digestão da problemática Tenda e enfrentando reclamações de consumidores, a empresa acaba de trocar seu presidente. Hoje, os três fundos detêm 12% do capital, mas estão aproveitando a baixa de 37% das ações da empresa neste ano para tentar aumentar a participação para 20%. “Queremos atuar com olhos de donos na Gafisa”, afirma Ferreira, que é conselheiro na companhia e pretende aumentar o número de assentos dos fundos  no conselho.  Consultada, a Gafisa não comentou o assunto. A experiência que os fundos tentam reproduzir na Gafisa não é inédita. Um dos casos mais famosos de tomada de controle por minoritários é o da companhia de equipamentos médicos Cremer, de Santa Catarina, que também tinha capital pulverizado na bolsa. 

 

Há pouco mais de dois anos, os fundos das gestoras Tarpon, Credit Suisse Hedging Griffo, Poland, Rio Bravo e Claritas uniram-se e mudaram a presidência da companhia, assumida por José Borges Carneiro, até então gerente da Tarpon. Logo depois, a Cremer distribuiu R$ 120 milhões de seu caixa para os acionistas. Os fundos de investimento também mudaram o foco estratégico da companhia. “O modelo de negócios era concentrado em vendas e não em rentabilidade”, afirma Mufarej, da Tarpon. Uma mudança um pouco mais dramática ocorreu na Diagnósticos da América (Dasa), um dos maiores laboratórios de medicina diagnóstica do País, em abril de 2009. Numa conturbada assembleia de acionistas, o fundador da Dasa, o médico Caio Auriemo, teve sua gestão questionada pelos fundos Skopos, Valia, Credit Suisse e HSBC, por conta de contratos do laboratório que favoreciam  empresas de seus familiares, e se afastou da direção. 

 

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Sidney Levy: a Valid, antiga American BankNote, fez uma transição suave para o capital pulverizado

e aumentou a parcela do lucro voltada aos dividendos

 

Três meses depois, em julho, sem clima e sem espaço na empresa que criara, Auriemo vendeu suas ações. Nem sempre a transição para o novo modelo é tão conflituosa como a da Dasa. Algumas empresas assimilaram a postura mais participativa dos fundos ativistas com relativa facilidade. É o caso da Valid, antiga American BankNote, que produz desde cartões bancários com chips até documentos de identificação como carteiras de identidade. A Valid tornou-se uma empresa de capital pulverizado há um ano e meio, quando o antigo controlador, a ABN Equities, vendeu na bolsa seu lote de ações de 32%. Hoje os maiores acionistas são as gestoras Vinci, Rio Bravo, Aberdeen e Credit Suisse, com participações inferiores a 10% do capital cada uma. A transição foi facilitada pela atuação de Sidney Levy, um executivo forte, que foi CEO da companhia por 17 anos .

 

 “ Um profissional que conheça profundamente o negócio é um ingrediente imprescindível numa empresa de capital pulverizado”, afirma Ferreira, da Rio Bravo. Levy diz que “não é fácil” conciliar o interesse de todos e desenhar uma estratégia de longo prazo para a companhia. “Não posso deixar a urgência de curto prazo, natural no setor financeiro, contaminar a companhia”, afirma Levy. “O conselho precisa funcionar como uma espécie de fronteira.” No caso da Valid, a convivência foi facilitada por um pequeno agrado feito aos acionistas, os fundos entre eles: a elevação da parcela mínima do lucro distribuído a título de dividendo de 30% para 40%. Levy admite aumentar esta participação para até 50%.

 

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