04/11/2016 - 20:00
Que os Steinbruch são bons de briga, ninguém duvida. Mas poucos apostam em sua vitória na mais recente disputa a se tornar pública: a tentativa de escapar da cobrança dos 4% do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) que incidem sobre uma doação de R$ 1,5 bilhão feita em 2011 por Dorothea Steinbruch, acionista do grupo Vicunha e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) aos seus 11 netos, com usufruto dos seus três filhos: Benjamin, Ricardo e Elisabeth. O episódio começou em 2010, com a transferência dos recursos da holding familiar Rio Purus Participações, sediada na cidade de São Paulo, para o exterior.
A transferência de ativos para fora do País não é ilegal, tampouco doações de uma avó aos seus netos. O cerne da disputa é outro: os R$ 60 milhões no imposto estadual, de acordo com a alíquota paulista de 4%. Para serem isentas, as doações entre parentes não podem extrapolar R$ 50 mil ao ano. A morte da matriarca, em novembro do ano passado, disparou o processo. Os 11 netinhos da vovó Steinbruch impetraram mandados de segurança pedindo que o Estado de São Paulo se abstivesse da cobrança do ITCMD. E foram justamente as 11 ações, todas praticamente simultâneas e de valores vultosos, que chamaram a atenção do Fisco.
Mais especificamente, do Grupo de Atuação Especial para Recuperação Fiscal (Gaerfis), uma unidade da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo que combate fraudes fiscais e planejamento tributário ilícito. A Procuradoria paulista não comenta o processo oficialmente, mas um dos procuradores que atuou no caso disse à DINHEIRO, em condição de anonimato, que um dos pontos que chamou a atenção foi o fato de, em 2010, Dorothea ter comprado ações de uma empresa de prateleira, a Doire States, nas Ilhas Virgens Britânicas. Quinze dias depois, a matriarca transferiu seu dinheiro para a Fundação Doire, no Panamá.
Segundo o Gaerfis, há fortes indícios de que as ações da Rio Purus Participações tenham sido transferidas à Fundação apenas para regressassem ao Brasil como doação aos herdeiros de Dorothea. Os Steinbruch tentam evitar o imposto com base em uma brecha jurídica. O inventário de Dorothea foi processado no Exterior. Segundo o artigo 155 da Constituição, nesses casos, o Fisco só poderia cobrar o ITCMD se houvesse uma lei complementar para determinar quem faria a cobrança. Essa lei não existe. Teoricamente, isso impede a tributação, pela Receita Federal ou pelos Estados.
Pode parecer uma filigrana jurídica, mas não é um absurdo. O Tribunal de Justiça de São Paulo teve esse entendimento em pelo menos uma sentença. No entanto, a decisão está longe de ser unânime. Alessandra Steinbruch, filha de Benjamin, protocolou um processo pedindo isenção dos 4% de imposto sobre os R$ 63.563.687,12 que lhe cabem na partilha. A juíza Carolina Cardoso, da 11ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, extinguiu o caso, sem resolução do mérito. Outros três juízes deram a mesma sentença. Com isso, o Estado está apto a instaurar um processo administrativo tributário para cobrar o imposto e a eventual multa.
Os Steinbruch só ganharam um caso depois que o Gaerfis entrou em cena, na decisão do juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra, da 5ª Vara da Fazenda Pública. Ainda assim, Guerra deixou aberta a porta para a reversão de sua sentença, afirmando que se “eventualmente comprovada a série de ilicitudes mencionada pela Fazenda Pública Estadual, que se aplique a devida penalidade administrativa sobre aqueles que buscam lesar o Erário pela sonegação”. Com as decisões conflitantes, caberá aos desembargadores de uma das câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo resolver a questão.
Desde o dia 25 de outubro, o inventário de Dorothea Steinbruch está suspenso. A discussão vai longe, até pelo número de advogados recrutados pela família: são dez profissionais, de dois escritórios paulistas, o Corvo Advogados e o PLKC Advogados. Do lado do Estado, igual número de procuradores quer trazer o dinheiro para as arcas paulistas. Procurados, os advogados Luiz Rodrigues Corvo e José Henrique Longo, que representam a família, não comentaram. Procurados, Benjamin Steinbruch e a CSN não atenderam os pedidos de entrevista.