Quanto vale o Rio Doce, que nasce em Minas e deságua no mar? O rio que se cobriu de lama, rejeitos de minério de ferro, óleo e graxa, em um dos maiores acidentes ambientais que se tem notícia no Brasil. Como indenizar 11 vidas perdidas, 12 desaparecidas até o momento, a cidade de Mariana dizimada, populações sem água potável e o suficiente para subsistência com o colapso de todo um ecossistema? A conta que nos chega é, no mínimo, curiosa: R$ 1,250 bilhão. A fatura refere-se a cinco multas do Ibama no valor de R$ 50 milhões cada, que é o valor máximo permitido pela legislação brasileira.

Somam-se outros R$ 1 bilhão de um fundo, fruto de um acordo firmado entre a Samarco e os ministérios públicos de Minas e Federal. Nada ainda chegou ao guichê, bem pontuado. Sabe-se somente que levará décadas para recuperar o que foi perdido – se é que há como recuperar. Em 2010, a British Petroleum (BP) provocou um desastre ambiental inimaginável no Golfo do México, na costa dos Estados Unidos, por derramamento de petróleo. A multa para recuperação ambiental e ressarcimento às vítimas foi de US$ 54 bilhões, o equivalente a R$ 204,7 bilhões em valores atuais. 

Os incrédulos acharão que não se pode comparar o acidente de Mariana com o da BP, e estão corretos. Afinal, a diferença das sanções é gritante, 160 vezes mais. No Brasil, o Ibama aplicou o equivalente a R$ 4,8 bilhões em multas ambientais no ano passado, mas só recebeu R$ 140 milhões. O motivo é a pendenga judicial que travam empresas e governo nas cortes do País. O detalhe é que, desse total, cerca de R$ 2 bilhões já deveriam estar nos cofres públicos, pois não cabem mais recursos. E não estão. O motivo? O Estado não cobra de quem deve.

Há ainda outra preocupação no ar, essa bastante relevante: não se sabe se os diques de contenção podem sustentar duas outras barragens da Samarco, as de Santarém e Germano, ambas afetadas pelo desastre em Mariana. Quem são o engenheiro que fez o cálculo estrutural das barragens e o executivo responsável por Gestão e Sustentabilidade da Samarco? Ainda não vieram à luz. Sabe-se somente que os diques estão muito abaixo do que é exigido pela legislação brasileira. E que foram fiscalizados pela própria Samarco antes do acidente de Mariana, que detectou que tudo estava normal.

No País pós-Mariana, ninguém foi afastado do seu cargo. E lembremos que, em um primeiro momento, a Vale informou que era somente mera acionista da Samarco (com 50% de participação) e que, portanto, não teria responsabilidade sobre o ocorrido. No mundo real, recentemente o presidente-executivo da Volkswagen, Martin Winterkorn, foi afastado do cargo depois de deflagrado o escândalo de fraude de emissões de poluentes em carros a diesel.

No mundo dos negócios, é comum a cantilena dos empresários de que a burocracia para se conseguir licenças ambientais a novos projetos é tarefa hercúlea. E que as multas para quem se aventurar a não cumprir a lei são salgadas. Não caberia perguntar por que a diferença de tratamento para essas licenças, comparada à brandura para acidentes ambientais como o ocorrido em Mariana? A presidente Dilma sobrevoou a cidade de Mariana, cobrou ações enérgicas de governo, disse que tudo seria acompanhado de “forma sistemática”.

E declarou à imprensa que o “Governo Federal cumpriu todas as fiscalizações que lhe cabem… e você tem que ver se a legislação está boa, tem que checar, ninguém pode achar que tudo está perfeito”. Os parentes das onze vidas ceifadas até aqui, presidente Dilma, acham que alguma coisa está fora da ordem. São pessoas simples, muitos funcionários de baixo escalão da mineradora Samarco. Outros, indígenas, que choram à beira do rio Doce. E se perguntam, sem terem resposta: será que um rio vale tão pouco?