16/10/2015 - 20:00
É meio-dia em Recife, capital de Pernambuco. Entre casarões antigos recentemente restaurados e prédios novos cobertos por vidros reluzentes, milhares de pessoas cumprem o ritual diário de almoçar, pedir o café e caminhar pelas ruas para relaxar brevemente após o primeiro turno do expediente. No bairro do Recife Antigo, no entanto, esse costume ganhou uma dimensão especial nos últimos 15 anos. Desde que o Porto Digital se instalou na região, reocupando uma área abandonada da cidade, os encontros fortuitos podem virar oportunidades de negócio e troca de conhecimento.
Um dos maiores polos tecnológicos e de economia criativa (expressão criada pelo britânico John Howkins para se referir ao uso do conhecimento como principal insumo produtivo) do Brasil, desde a inauguração do Porto, em 2000, o compartilhamento tem sido a essência do sucesso das companhias que decidiram se instalar no local. Há startups, pequenas e médias organizações e também escritórios de multinacionais, como IBM e Accenture. A montadora Fiat, por exemplo, inaugurou há alguns meses uma divisão de desenvolvimento de softwares no local, que será parte de um novo centro de tecnologia automotiva, que estará ligado aos núcleos de pesquisa e desenvolvimento globais da empresa.
Segundo levantamento mais recente, o Porto Digital, instalado numa área de 149 hectares, abriga 250 empresas, organizações de fomento e agências do governo. No primeiro ano de atividade, eram apenas três empresas e menos de 50 funcionários. A expectativa é que o número atual de 7.100 empregados possa triplicar até 2024. O faturamento total das empresas instaladas no Porto é estimado em R$ 1 bilhão, por ano. “A vantagem dessa concentração é que você coloca num mesmo território uma quantidade grande de competências voltadas ao mesmo propósito”, diz Francisco Saboya, presidente do Porto Digital, que é considerada uma organização social sem fins lucrativos.
Por isso, a estrutura administrativa é mantida com recursos dos governos estadual, federal e do setor privado. “A possibilidade de encontrar alguém aqui no elevador ou na calçada que queira discutir algo do seu interesse é muito grande”, afirma o executivo. O Porto Digital colocou Recife no ranking das principais cidades com potencial de ser um dos seis centros de excelência em terceirização global de serviços, segundo estudo da consultoria Global Service, em parceria com a companhia de investimentos Tholons.
Para as empresas maiores, a facilidade em disponibilizar recursos e soluções vira uma vantagem competitiva num ambiente em que empreendedores estão sempre em busca de projetos novos. “Isso funciona tanto com empresas que comercializam as nossas soluções, com rotas mais tradicionais, quanto com companhias que já têm o seu mercado e usam algum software ou serviço para aumentar a abrangência”, diz Roberto Ramalho, executivo da IBM para as regiões Norte e Nordeste. A união de empresas privadas de tecnologia, órgãos de fomento e universidades torna inevitável a comparação com a região americana do Vale do Silício, na Califórnia, berço de empresas como Apple, Google, Intel e Microsoft.
“Se uma empresa chega aqui e precisa de mil colaboradores, haverá um jeito de encontrar e qualificar essas pessoas”, diz Fred Vasconcelos, executivo-chefe da Joy Street. A empresa é um exemplo da Nova Economia, modelo de negócios baseado nos serviços que utiliza a tecnologia para transferir informações. A Joy Street desenvolve jogos e aplicativos eletrônicos para o setor educacional. A ideia é utilizar o conteúdo escolar para motivar o aluno a aprender. Há, por exemplo, a Olimpíada dos Jogos Digitais e Educação, conhecida como Oje, uma gincana virtual colaborativa espelhada nas competências do Enem e no conteúdo escolar.
A ideia surgiu da necessidade de resgatar o prazer de estudar. Vasconcelos atribui a existência de sua companhia ao ambiente propiciado pelo Porto. “Pela minha experiência, aqui não existe nada guardado a sete chaves.” Além de encontros de empreendedores, oficinas de ideias e palestras de inovação, o Porto Digital possui incubadoras próprias e diversos programas de qualificação. Na medida do possível, a administração quer que todo esse contato ocorra de forma sustentável. Por isso, o Porto ainda tem programas de compartilhamento de bicicletas e carros elétricos, além de estimular o transporte solidário por meio de caronas. Parece o Vale do Silício. Mas é Recife, Pernambuco, Brasil.
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