Passado o inverno, estação da esperança de vacas gordas para os importadores de vinhos, a busca por um lugar ao sol no estagnado mercado do produto no Brasil ganha jogadas no mínimo criativas. Bom exemplo é o que fez a Wine, clube de vinhos digital, com 140 mil sócios. O grupo está trazendo cinco rótulos de vinhos chineses, três tintos e dois brancos, da pioneira vinícola Changyu Pioneer Wine Company, quarta maior do mundo. Quem pensa em encontrar sabores exóticos, jamais experimentados no Ocidente, pode tirar o dragão da chuva. A sacada da Wine foi usar a origem regional para aumentar a visibilidade, mas preservar sua boa relação com o paladar do cliente. “O que a gente quer é encontrar vinhos que a turma gosta, mas entregá-los de um jeito diferente”, diz o CEO do grupo, Marcelo D’Arienzo.

A “turma” da qual fala o executivo são os assinantes do e-commerce, o maior do mundo no setor, de acordo com a própria Wine. Uma pesquisa com a base de seus sócios (3,5 mil questionários quantitativos e quatro grupos focais) identificou os tipos de vinho mais consumidos e descobriu, segundo D’Arienzo, que os assinantes “gostam de vinhos jovens, menos austeros, que sejam de alguma forma surpreendentes, mas que não agridam o paladar a que estão acostumados”.

SURPRESA ORIENTAL Um cabernet sauvignon vinificado em branco e um cabernet gernischt, o equivalente chinês à carménère: vinhos para sacudir a experiência do entusiasta, mas não para agredir seu paladar (Crédito:Divulgação)

Os rótulos chineses caem como uma luva para o propósito da empresa. Têm características familiares — feitos de cepas tradicionais como cabernet sauvignon (Changyu Reserve Noble Dragon Red 2016, Zenithwirl 2018) e riesling (Changyu Reserve Noble Dragon Blanc 2017) —, embora surpreendentes em suas variações, como o Chateau Changyu Moser XV Blanc de Noir 2018, um cabernet sauvignon vinificado em branco (o mais caro, R$ 85,80 para não sócios), e o Zenithwirl Cabernet Gernischt 2018 (R$ 63,40 para não sócios, o mais em conta), “versão chinesa da carménère”, segundo D’Arienzo. Esse é um vinho que não passa por barrica, o que realça o toque frutado.

Obviamente, a aposta da Wine nos vinhos chineses tem a ver com a tentativa de ganhar mercado. O consumo brasileiro anual de vinho está estagnado há muito tempo em 1,8 litro per capita, enquanto a cerveja oscila entre 50 e 60 litros per capita, segundo dados da Associação Brasileira de Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas (Abba). Os importadores enfrentam dificuldade em ampliar a base de consumidores, uma vez que as mulheres, antes um segmento a ser explorado, já são, segundo o presidente da Abba, Adilson Carvalhal Junior, 40% dos consumidores do mercado de vinhos (50% em supermercados).

Júnior, que é também diretor da importadora Casa Flora, vê a iniciativa da Wine com bons olhos. “É uma coisa bacana para fazer barulho”, diz. Mas não leva fé que a ideia gere vendas significativas. A própria Wine, cujo padrão de sucesso para um rótulo é vender 50 mil garrafas em um ano, vai com cautela no seu lançamento: trouxe 10 mil garrafas de cada um dos cinco chineses. Cautela talvez não seja o termo mais adequado: a intenção é saber o índice de recompra depois da primeira experimentação e aí definir a estratégia futura. De um jeito ou de outro, a líder no e-commerce de vinhos quer estreitar laços com o gigante asiático. “Tudo o que a China leva a sério faz bem”, diz D’Arienzo. “A China é um caso especial, que pode mudar a dinâmica mundial. Por isso a gente quis se antecipar”.