Nas últimas semanas, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, se dividiu entre analisar os dados de produção e vendas das empresas do setor no Brasil e, em paralelo, acompanhar com atenção a trajetória de queda do dólar. A preocupação com a taxa de câmbio tem duas explicações. A primeira é que o barateamento da moeda americana afeta diretamente a rentabilidade das fabricantes com os embarques ao exterior. Mas esse é o menor dos problemas, no contexto atual. O segundo fator de apreensão ­— talvez o maior deles — está na lógica matemática de que dólar barato aumenta a competitividade dos calçados importados no mercado brasileiro.

Apesar do imposto de importação do segmento ser de 35% desde 2007, essa barreira tarifária pode começar a perder o efeito se o dólar seguir em queda, na avaliação do presidente da entidade. “Em nossos cálculos, dólar na casa de R$ 4,80 está dentro de um patamar seguro. Abaixo disso, já acende o sinal de alerta.”

O sinal de alerta da Abicalçados tem acendido diversas vezes. Em 19 de junho, a cotação caiu para R$ 4,77, o preço mais baixo em um ano.

Embora o dólar tenha subido um pouco nos últimos dias, com a cotação fechando a R$ 4,84 na quarta-feira (5), há projeções de que a moeda americana pode cair ainda mais no segundo semestre.

Os estrategistas para mercados emergentes do Goldman Sachs estimam que o dólar deverá ir para R$ 4,40 até dezembro. Eles reduziram a projeção anterior, de R$ 4,85. A última vez que a moeda americana ficou abaixo de R$ 4,50 foi em fevereiro de 2020, antes da pandemia.

Segundo a Goldman, o diferencial de juros foi uma das principais razões para o fortalecimento do real nos últimos meses, com o investidor internacional buscando as moedas de melhor qualidade entre os emergentes.

Real se fortalece por dinâmica doméstica?

Mas outras questões domésticas, como a aprovação do Arcabouço Fiscal e o avanço da Reforma Tributária no Congresso, ajudaram no fortalecimento do real. “Enquanto o pano de fundo doméstico permanecer favorável e as taxas de juros se mantiverem elevadas, acreditamos que o real pode ter retornos positivos nos próximos meses”, disse o Goldman Sachs, em relatório.

O que é motivo de preocupação de exportadores, é festa para outros setores e para o time econômico do governo, que luta para a queda da inflação. E o melhor: engrossa o coro de argumentos por um corte da taxa básica de juros pelo Banco Central nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que vê na tendência de queda da moeda americana o caminho para a redução da Selic. “Eu sempre imaginei que o real estava muito desvalorizado, que não havia razão, sobretudo depois de se fixar uma taxa de juros no patamar atual, coisa que já vai para quase um ano”, disse Haddad.

“O Brasil é uma economia muito mais forte do que ela própria se enxerga. E responde muito rapidamente a estímulos adequados.”
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad

Para o economista João Lucas Tonello, analista da corretora Benndorf Research, a continuidade da desvalorização do dólar frente ao real pode tomar dois caminhos. O primeiro, com atitudes que gerem insegurança na economia do País ­— como uma atuação mais forte do governo em políticas de preços de estatais, ou morosidade na Reforma Tributária.

Isso poderá fazer com que o dólar dispare novamente para cima dos R$ 5. O segundo caminho, em um cenário mais positivo, ele avalia que se o governo continuar comprometido com uma atuação mais contida de intervencionismo, a o real poderá continuar se valorizando e o dólar ficar abaixo dos R$ 5.

“A região de R$ 4,75 é um excelente alvo e suporte do dólar para o ano. Não acredito em dólar abaixo dos R$ 4,50”, afirmou Tonello.

Já a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, especializado em operações de câmbio, avalia que a atual desvalorização do dólar frente ao real simboliza nova percepção de risco da economia brasileira.

“Quando mais desvalorizada a moeda, mais arriscado é esse país quando a gente pensa em investimento. Quando a gente vê o dólar caindo no Brasil, isso mostra que é um sinal de que a aversão ao risco está se reduzindo.”
Economista Cristiane Quartaroli

 

Fenômeno global

Na verdade, o que acontece com o dólar está menos vinculado a fenômenos internos. A moeda brasileira é apenas a sétima colocada entre as divisas que mais ganharam força neste ano.

Segundo a Austin Rating, o real avançou 9,2% no primeiro semestre. Ficou atrás da:
* rúpia do Sri Lanka (21,2%),
* peso colombiano (16,5%),
*peso mexicano (14,4%),
* dinar iraquiano (11,4%),
* forint da Hungria (9,8%),
* cólon da Costa Rica (9,3%).

Segundo a economista Vitoria Saddi, estrategista da SM Futures e colunista da DINHEIRO, existe um movimento de queda do dólar em termos mais estruturais. Ele ficou em níveis elevados de 2019 a 2023. Agora, se espera uma desvalorização. Isso irá levar o real e demais moedas a reboque, o que vai ajudar a reduzir a inflação do Brasil.

“Quando há expectativas do Fed ou do Copom de mudar a rota da política monetária, o mercado antecipa o movimento nos preços”, disse Vitoria. “Hoje o que está acontecendo nos Estados Unidos é isso. Todo mundo está achando que o Fed pode manter a taxa de juros inalterada em julho ou reduzir o ritmo de alta. Assim, antecipando-se a isso as pessoas vendem dólar no mundo todo e a moeda americana se desvaloriza.”

Não tão bom a exportadores, mas muito bom para segurar os preços internos.