28/10/2016 - 20:00
O estado de calamidade tomou conta da Venezuela. Mergulhada em uma das crises econômicas e políticas mais graves da última década, o presidente Nicolás Maduro vê o seu falido governo ficar por um fio. Nos últimos dias, milhares de venezuelanos têm tomado as ruas da capital Caracas e de cidades ao redor de todo o país, em protesto contra a suspensão do processo que convocaria o referendo revogatório, cujo objetivo é destituir o caudilho do poder. Até o fechamento desta edição, o saldo das manifestações havia sido de ao menos uma pessoa morta, 120 feridos e 147 presos.
Em trâmite desde o início do ano, o referendo enfrenta dificuldades em avançar na Assembleia Nacional, já que todos as medidas institucionais são vetadas por Maduro e aliados do governo. A saída encontrada pela oposição, liderada pela aliança Mesa da Unidade Democrática (MUD), foi convocar greves gerais por todo o território nacional. Batizadas de “La Toma de Venezuela”, as principais paralisações ocorreram nos dias 28 de outubro e 03 de novembro, respectivamente, com marchas até o Palácio de Miraflores, sede do governo. “A greve é para ocupar as ruas e deixar postos de trabalho vazios, para pressionar o governo a respeitar o direito de eleição”, afirmou a MUD, em comunicado.
Encurralado, o sucessor de Hugo Chávez passou a reduzir ainda mais os direitos de seus opositores. Em uma espécie de cartada final, eliminou os últimos vestígios de democracia do país, retirando todos os poderes do Legislativo, de maioria opositora. Nem mesmo a ajuda católica, com a intervenção do Papa Francisco, conseguiu guiar a complexa crise venezuelana. Na tentativa de buscar apoio internacional para legitimar seu governo e desviar o foco do golpe, Maduro desembarcou no Vaticano para se encontrar com o Papa.
Em vez de dialogar com a oposição, como o sugerido pelo pontífice, o venezuelano passou a anunciar medidas populistas, a fim de conter mais adesões ao seu afastamento, atualmente defendido por 76% da população, segundo a consultoria Eurásia Group. Um dia antes da greve geral do dia 28, por exemplo, o presidente anunciou o quarto aumento do salário mínimo do país em 2016. “O que está acontecendo na Venezuela é uma fraude política”, diz Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington. “É muito difícil prever o que virá pela frente, mas a probabilidade é que, em 2017, Maduro seja destituído da presidência.”
Somada à profunda instabilidade política, o país se vê diante de um colapso econômico. Altamente dependente do petróleo, responsável por 96% de suas divisas e 60% das receitas, a Venezuela ficou encurralada economicamente com a desvalorização do barril do óleo negro no mercado internacional, que deixou os altos patamares de US$ 100, para US$ 50. Eram esses recursos que garantiam a importação de bens – 80% do que é consumido localmente vêm do exterior. Projeções do Institute of International Finance (IIF) mostram que a economia do país retrairá 13% em 2016, ante queda de 7% em 2015.
Além disso, a inflação deve superar os 500% ao ano. “Para que a Venezuela inicie um processo de recuperação econômica, será preciso colocar em práticas medidas pró-mercado, para atrair investimentos”, diz Ramón Aracena, economista-chefe para a América Latina do IIF. Tarefa difícil, já que o desabastecimento de matérias-primas e a crise humanitária fazem com que cada vez mais empresas fechem suas portas no local. Um levantamento da Confederação Venezuelana de Indústrias (Conindustria) mostra que, desde 2002, foram estatizadas 692 fábricas consideradas improdutivas pelo governo.
O racionamento de eletricidade e o corte de mão de obra fizeram com que as plantas passassem a operar com menos de um terço da capacidade produtiva. No final de maio, a Coca-Cola foi uma das companhias a interromper a produção por falta de matéria-prima. “A Venezuela é um mercado importante, mas, no curto prazo, é perigoso”, diz o ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, da Barral M Jorge Consultores. “A crise política é tão grande que não compensa mais operar no local.”
A conta desse problema atinge diretamente os parceiros comerciais da Venezuela, como o Brasil. Prova disso é a dívida que o governo de Maduro acumula com os empresários brasileiros. Até o ano passado, dados da Câmara de Comércio Brasil-Venezuela mostravam um endividamento de cerca de US$ 5 bilhões. O valor supera os US$ 3,7 bilhões que o País exportou aos vizinhos em 2015, segundo o Mdic. A dificuldade de acesso a dólares também tem levado empresas brasileiras a cortar suas operações no local.
A empresa aérea Gol é uma delas. Com voos diretos para Caracas desde 2007, a companhia suspendeu a rota em fevereiro deste ano, depois de sofrer uma perda de R$ 425 milhões nos recursos mantidos no país em 2015. Em nota, a empresa afirmou que “a medida é temporária, até que a questão da remessa dos recursos seja resolvida.” A incapacidade de conduzir os problemas domésticos também poderá levar a Venezuela a sair do Mercosul no início de dezembro, pelo não cumprimento aos termos de adesão. Diante de todo esse caos, a possibilidade de uma guerra civil não deve ser descartada.