21/10/2016 - 20:00
Brasil e Argentina ensaiam uma reaproximação. Tanto em bases comerciais como políticas. Os dois querem reforçar laços esgarçados ao longo dos últimos tempos quando ambos viveram sob gestões populistas irresponsáveis. A recostura de entendimentos acontece em duas etapas. Há algumas semanas, o presidente Michel Temer, no seu primeiro tour latino-americano desde que foi confirmado no cargo, desceu pessoalmente em Buenos Aires para uma conversa olho no olho com Mauricio Macri. Foi o início de novos acertos tarifários e de revisões das regras de importação/exportação.
Dias atrás, a maior delegação empresarial dos últimos tempos, com quase 150 representantes de companhias brasileiras filiadas ao LIDE, desembarcou na capital portenha para uma rodada de discussões e negócios por ocasião do 21º Meeting Internacional que aconteceu ali. Trataram de acordos. Anunciaram abertura de plantas industriais. Falaram de um futuro marcado por práticas mais liberais de comércio. O Grupo Whirlpool comunicou investimentos de quase R$ 80 milhões em duas fábricas para produzir eletrodomésticos, especialmente fogões, na Argentina.
A BRF colocou perto de US$ 500 milhões naquele mercado para liderar o segmento de hambúrger. A agência de fomento Invest São Paulo e a sua correlata em Buenos Aires selaram um termo de cooperação bilateral para financiamentos a projetos. Tudo parece caminhar bem na direção de acertos mais promissores. É um cenário completamente distinto do que vinha se verificando até aqui. O comércio entre Brasil e a Argentina havia encolhido 46,7% nos cinco últimos anos. Desde 2011, o valor total de vendas e compras na região passou de US$ 39,6 bilhões para algo perto de US$ 20 bilhões neste ano.
Em exportações na rota da Bacia do Prata o Brasil sofreu um encolhimento de US$ 22,7 bilhões para cerca de US$ 12,4 bilhões no mesmo período. O desempenho deprimente reflete a quase paralisia registrada no Mercosul. A reversão se deu de maneira quase automática com a transição dos governos. Em agosto passado surgiram os primeiros sinais de recuperação. Lentos, porém representativos. Pela primeira vez em 36 meses ocorreu crescimento na balança comercial que subiu 13,2% em comparação com o mesmo período de 2015. Veículos e produtos manufaturados de alumínio lideraram as vendas.
O que fazer para ampliar ainda mais esse sopro de retomada é a pergunta que está na cabeça de 10 em cada 10 empreendedores envolvidos nos negócios entre os dois países. Os participantes do LIDE possuem o seu próprio diagnóstico e receita de virada. Flávio Rocha, presidente do Grupo Riachuelo, com 260 unidades e valor de mercado de R$ 5 bilhões, sugere políticas mais pragmáticas e liberais de comércio e uma substituição do protagonismo estatal nas discussões pela liderança do investidor privado.
Em outras palavras: pede que as amarras estabelecidas pelos respectivos governos contra o fluxo de transações sejam desatadas urgentemente e que prevaleçam os interesses da livre iniciativa. Diz Rocha que cada País ainda precisa fazer o seu dever de casa antes de sonhar com uma relação bilateral mais profícua. “O Brasil, por exemplo, se tornou um lugar hostil ao investimento, criou um manicômio trabalhista com um mundo de ações que inibe qualquer empreendedor”. O presidente do gigante argentino Arcor, Luis Pagani, que possui 40 plantas industriais, sendo cinco no Brasil, acredita que no contexto regional as duas nações deveriam unir forças principalmente no campo dos alimentos para desbravar praças pelo mundo.
Recorda Pagani que além de contar com mamutes do setor por aqui – como Ambev, Friboi, Molinos, BRF, Arcor etc -, Brasil e Argentina lideram, juntos, a produção de soja e carne bovina, despontam na terceira posição no ranking de maiores produtores de leite e ainda figuram como maior exportador líquido mundial de açúcar. “Como vemos essa parceria e o futuro do Mercosul? Crescendo a partir de uma integração produtiva em áreas de desenvolvimento de insumos”, afirma Pagani. O empresário prega também a unificação dos sistemas de financiamento, regionalizando o funcionamento do BNDES, que montaria “filiais” em países do continente. Tem a ver com o fim do protecionismo exacerbado, que predominou no bloco, as aspirações de empresários presentes ao Meeting Internacional.
Luiz Fernando Furlan, chairman do LIDE e coordenador do encontro, diz que o entrave protecionista praticamente condenou o funcionamento do Mercosul e agora é necessário uma verdadeira refundação da instituição em outros termos. “Se esgotou a capacidade intra regional do Mercosul. Temos que reinventá-lo e lançá-lo numa visão mais moderna, buscando convergências macroeconômicas”. A harmonização aduaneira e tarifária além de uma logística de transporte mais integrada e competitiva são instrumentos eficazes nesse sentido. Mas, defendem os empresários do LIDE, em sintonia com o que já verbalizaram os presidentes Temer e Macri, que nada irá avançar sem a reacomodação de interesses de alguns parceiros.
A Venezuela, por exemplo, tem atrapalhado os entendimentos com a sua insistência em liderar o bloco sem cumprir requisitos mínimos de adaptação. Entre eles o respeito aos direitos humanos. Brasil e Argentina, seguidos de Paraguai e Uruguai, votaram juntos para impedir que Nicolas Maduro ocupasse a presidência rotativa enquanto ele não atendesse as normas do Mercosul. E deram prazo para tanto: até 1º de dezembro próximo. A Venezuela vive uma catástrofe sem precedentes com desabastecimento de mais de 90% dos medicamentos, falta de alimentos e inflação na casa dos 700% ao ano.
Ao colapso financeiro se soma a crise humanitária que está provocando um verdadeiro êxodo de venezuelanos para outros países da região. O Brasil tem recebido uma média de 40 refugiados de lá diariamente que fogem das condições sub-humanas impostas pelo regime de Maduro. O argentino Macri já estabeleceu que não existe alternativa: ou a Venezuela se adapta ou sai do Mercosul. Até por que ela até agora nada somou. Com ele concorda Temer. Os dois mandatários, que vivem situações análogas herdando países que precisam passar por duras reformas, empreendem uma nova toada no comércio do continente. Bem ao agrado dos empresários e no trilho adequado para o desenvolvimento.