Prestes a encerrar o melhor ano de sua história, a indústria automobilística brasileira foi um dos motores da economia em 2010. Com mais de três milhões de veículos vendidos, o setor se tornou dinâmico e pujante, movido pelo crédito fácil e barato para a compra do carro novo. Tudo isso, no entanto, pode ser uma imagem no retrovisor. Dias atrás, o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional decidiram endurecer as regras, num pacote austero para desaquecer a economia e garantir a saúde dos financiamentos de longo prazo responsáveis por boa parte das vendas.

 

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Freada na produção: alvo das medidas do governo é o crédito longo e sem entrada, modalidade

que responde por 20% das vendas e tem puxado as vendas no País

 

Entre as medidas, o governo elevou o compulsório de 15% para 20% sobre depósitos a prazo e aumentou de 11% para 16,5% a parcela de capital que os bancos devem reservar para fazer frente à maioria dos financiamentos concedidos às pessoas físicas com prazos mais longos. 

 

O novo limite vale para financiamentos acima de 24 meses, ou 36 meses no caso de empréstimos consignados. Para o financiamento de veículos, o limite mais elevado dependerá do valor da entrada paga pelo consumidor para os financiamentos em até 60 meses. 

 

Acima desse prazo, o capital requerido fica mais elevado, independentemente da entrada. A pancada nas vendas não deve ser pequena. Na avaliação da Anfavea, entidade que representa as montadoras, a medida é preocupante porque os financiamentos sem entrada representam 20% das vendas no País. Os juros devem subir justamente nessas promoções e nos financiamentos em prazos longos.

 

O tamanho da freada preocupa a cadeia automotiva. Um efeito dominó poderá prejudicar 200 mil fornecedoras do setor, que empregam um exército de 1,5 milhão de trabalhadores. 

 

Essa engrenagem representa 23% do PIB industrial e 5% de todas as riquezas produzidas no País. Mas será que o cenário em 2011 será tão ruim assim para o setor? “O remédio é legítimo, mas esperamos que a dose não seja cavalar”, disse Cledorvino Belini, presidente da Fiat e da Anfavea. 

 

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“Foi uma decisão inesperada. A única razão que justifica essa medida é a preocupação do governo

com a inflação e com o endividamento no longo prazo” Marcos de Oliveira, presidente da Ford América do Sul 

 

O antídoto do BC é contra o risco de calote e a formação de bolhas de consumo. A inadimplência nos financiamentos de veículos é maior nos contratos de longo prazo. Nos primeiros 12 meses, sai de 1,5% nos empréstimos de dois anos para 8% nos contratos com prazo superior a cinco anos.

 

A decisão de restringir o crédito e esfriar o ritmo das vendas de veículos surpreendeu não apenas os consumidores, mas também as montadoras. Quase dez dias depois do anúncio, muitos executivos ainda não digeriram o pacote anticonsumo. “Foi uma decisão inesperada. 

 

A única razão que justifica essa medida é a preocupação do governo com a inflação e com o endividamento no longo prazo”, disse à DINHEIRO o presidente da Ford na América do Sul, Marcos de Oliveira, na quinta-feira 9. 

 

Para o executivo, os efeitos do arrocho ao crédito não serão percebidos no curto prazo. Os meses de dezembro e janeiro costumam ser os melhores para o setor, em razão do pagamento do 13º salário e das promoções de queima de estoque a cada início de ano. “Evidentemente haverá um impacto nas vendas. Mas ainda é cedo para avaliar”, afirma. 

 

A questão é quanto os efeitos da restrição do crédito podem se alastrar. Se a venda de carros cai, as montadoras reduzem a produção e, por consequência, as encomendas aos fornecedores.  

 

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“Estávamos estimando um crescimento de 5% sem considerar a restrição de crédito. Algum ajuste será feito”, avalia Elias Mufarrej, diretor comercial da Fiamm, fabricante de buzinas. 

 

Sobram críticas à medida. Empresários avaliam que o governo pode ter deixado demasiadamente frouxa a coleira sobre os financiamentos, impondo agora um arrocho mais severo que o ideal. 

 

“O crédito deve ser incentivado porque o carro é um bem durável. Não exerce pressão inflacionária”, diz Eduardo Buachim, diretor-geral da Dayco no Brasil, fabricante de correias e sincronizadores. 

 

Paulo Sales, presidente da Moura, fabricante de baterias, lamenta que o governo tenha esperado as eleições para baixar o pacote. E faz uma previsão para o futuro: “Prevíamos crescer 7% nas vendas para as montadoras. Agora, posso estimar alta de 5%”, lamenta.