15/06/2016 - 18:00
Quando os cerca de 7,5 mil participantes cruzaram a linha de chegada da 16ª Corrida e Caminha Graacc, realizada no início de maio, em São Paulo, as grandes vencedoras foram as três mil crianças atendidas todos os anos por essa instituição sem fins lucrativos criada em 1991, na capital paulista. Foi um recorde, tanto de atletas como de faturamento. Da arrecadação bruta de R$ 1,3 milhão com o evento esportivo, quase R$ 900 mil foram destinados ao Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc). “É um evento que nos dá muita visibilidade”, diz o presidente Sergio Amoroso. “Mas está longe de pagar todas as nossas contas.” Todos os anos, a entidade enfrenta um desafio tão duro quanto a cura do câncer: conseguir receita para cobrir o déficit no orçamento. Embora mais de 90% dos atendimentos sejam realizados pelo SUS, eles cobrem menos de 5% dos gastos. Os convênios particulares contribuem com 25%. O restante vem de doações de pessoas e empresas. Em 2016, a projeção é que seja preciso angariar R$ 68 milhões para um orçamento de R$ 96 milhões.
Embora o Graacc tenha sido criado com esse modelo de começar o ano com o saldo devedor, a necessidade de colaboração financeira cresceu aceleradamente. Desde 2011, o orçamento anual praticamente dobrou. Além da corrida, um importante apoio vem do McDonald’s, que dedica um dia de venda de seu principal sanduíche, o Big Mac, para o Graacc. No ano passado, foram comercializados 472,7 mil lanches em todo o País, que renderam R$ 6,25 milhões para a instituição. Mesmo assim, continua insuficiente. A expansão da estrutura nos últimos três anos colocou as finanças em risco e o Graacc quase entrou em colapso. O fluxo de caixa chegou a preocupantes 10 dias, quando o ideal seriam seis meses de folga. Hoje, a entidade tem um mês assegurado. “A gestão financeira das instituições é mais complexa que a de empresas, por exigir o bom uso dos recursos e transparência na divulgação dos resultados”, diz Priscila Pasqualin, especialista em filantropia e sócia do escritório PLKC Advogados.
As mudanças no Graacc começaram pela gestão. Os fundadores Sérgio Petrilli, Jacinto Guidolin e Léa Mingione deixaram as funções executivas e migraram para o conselho de administração. Petrilli, o médico responsável pela instituição, ainda comanda o departamento de oncopediatria. Mas a administração passou a ser feita por empresários voluntários, como Fernando de Castro Marques, da Biolab, e João Inácio Puga, conselheiro do Banco Safra, entre outros. Amoroso, fundador do Grupo Jari (antigo Orsa), que atua nos segmentos de papel e celulose, assumiu a presidência. Ele foi um dos primeiros benfeitores, com uma doação de US$ 1,5 milhão, que permitiu ao Graacc trocar um sobrado na Vila Mariana, onde era feito o atendimento e o tratamento das crianças, e construir um hospital de 11 andares, no mesmo bairro. “A casinha do Graacc era mantida na boa vontade, o que não combina mais com o novo modelo”, diz ele.
A principal inspiração para a gestão financeira do Graacc está nos EUA. O St. Jude Children’s Research Hospital, localizado na cidade de Memphis, é uma referência mundial no tratamento do câncer. Em 1962, quando foi inaugurado, apenas 20% das crianças sobreviviam à doença. Esse índice aumentou para 80%. Esse avanço só foi possível pelo investimento em pesquisa e tecnologia. O St. Jude tem um custo diário de US$ 2,2 milhões, sendo que 75% dos recursos vêm de doações – por ano, são mais de US$ 600 milhões. Um departamento de arrecadação, com cerca de 1 mil pessoas, funciona internamente como uma empresa, com metas. No ano passado, eram nove milhões de doadores ativos, com tíquete médio de US$ 30.
Em comum com o St Jude, o Graacc tem o número de novos casos tratados anualmente: ambos limitam a 350. Mesmo com menos de 10% da instituição americana, a brasileira tem índice de cura de 70% (a média brasileira é de 45%). E o Graacc conta com apenas 200 pessoas para buscar doações, que giram em torno de R$ 25 por doador. Para vencer essas deficiências, Amoroso criou um orçamento por departamento. Cada um deve ter projetos e estratégias de arrecadação para pleitear verbas públicas e alternativas para convencer o setor privado a apoiar uma determinada causa. Na base da conversa, e do sorriso, o Graacc vai montando suas peças.