No início da década de 30, o economista Paul Mezur, do banco Lehman Brothers, defendeu uma mudança radical na cultura americana. Segundo ele, o desejo deveria se sobrepor à necessidade, transformando o consumo em uma ferramenta para o desenvolvimento do país. Em outras palavras, os cidadãos americanos deveriam comprar e comprar, ainda que não precisassem tanto assim, como forma de estimular a indústria. Quase 85 anos depois da sugestão de Mezur, o consumismo mantém-se firme, mas não sem críticas.

O discurso em prol do consumo consciente, até então restrito a ativistas, tem ganhado cada vez mais adeptos entre as empresas – a ponto de algumas delas questionar o consumo de seus próprios produtos. Há cerca de duas semanas, Steve Howard, chefe do departamento de sustentabilidade da sueca Ikea, roubou a cena durante um evento sobre mudança climática, em Londres. Segundo ele, o consumo de móveis no Ocidente já atingiu o limite. “Fala-se muito no pico do petróleo. Mas eu diria que atingimos o limite no consumo de carne vermelha, de açúcar, de coisas em geral, inclusive de móveis”, disse o executivo.

O comentário passaria despercebido não fosse a Ikea a maior fabricante de móveis do mundo, com 328 lojas, 147 mil funcionários e receita anual de US$ 31,5 bilhões. Para uma empresa que pretende dobrar suas vendas até 2020, admitir que as pessoas não precisam de mais mesas e cadeiras soa como uma sentença de morte. Mas não na visão da Ikea. “Se você considerar o mercado mundial, a maioria das pessoas ainda não tem o suficiente. Existe aí uma oportunidade de crescimento e uma forma de lidar com a desigualdade”, explicou Howard. O raciocínio é de que não faz sentido forçar o consumo em países ricos, tanto do ponto de vista ético como do ponto de vista dos negócios.

Parece óbvio, mas são raras as empresas dispostas a admitir que seus clientes já compraram demais. Uma delas é a Patagônia, do empresário Yvon Chouinard. Em 2011, a fabricante americana de artigos esportivos chamou atenção com a campanha “Não comprem essa jaqueta”. A mensagem alertava os clientes sobre as consequências do consumo excessivo no planeta (caso a compra fosse realmente necessária, então que fosse uma jaqueta feita de poliéster reciclado, como o modelo da Patagonia). A empresa ainda introduziu um serviço de pequenos reparos, convidando seus consumidores a reformar uma peça antiga, em vez de comprar uma nova.

“Não existe contradição, essas empresas vão continuar vendendo”, diz Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, ONG brasileira que promove o consumo consciente.“Apenas perceberam que não vão ganhar tanto assim pressionando o cliente a comprar quando este já atingiu a suficiência”. Ele cita os dados de uma pesquisa realizada em 2006 pelo Akatu, em parceria com o Worldwatch Institute, de Washington, segundo a qual 16% da população mundial concentrava 78% do consumo. “Estamos falando de 1,1 bilhão de pessoas vivendo com muito mais do que necessitam, enquanto 5,9 bilhões têm de menos.

É um mercado e tanto”, ressalta o presidente da entidade. Entre as empresas brasileiras, quem se aproxima desse discurso é a Natura, com a linha Sou. Feita com menos fragrância, menos produtos químicos e embalagem simples, o produto tem como mensagem “Pra que eu preciso do que eu não preciso?”, levando o cliente a refletir sobre suas reais necessidades. “O consumo tornou-se uma cobrança, uma tensão. Quando alguém nos diz, sobretudo uma empresa, que é possível seguir em frente com menos, dá até uma sensação de alívio”, diz Hélio.