No setor automotivo brasileiro, quem tem olho puxado está de sorriso de orelha a orelha. Enquanto a indústria, afetada pelas líderes de mercado como a Fiat, Volkswagen e GM, amarga perda de 16% em unidades vendidas, no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2015, as fabricantes asiáticas trafegam na contramão. Para as marcas japonesas Toyota, Nissan e Honda, o mercado nacional é só alegria. Respectivamente, elas cresceram 17,4%, 16,2% e 12,5% no período. “Não podemos reclamar”, diz François Dossa, presidente da Nissan Brasil, que recebeu, na quinta-feira 16, convidados na fábrica da empresa em Resende (RJ) para comemorar o primeiro aniversário de operação da unidade.

Ele aproveitou para anunciar que a produção dobrará, no ano fiscal iniciado em abril, para 68 mil unidades dos modelos March e Versa. “É um plano ambicioso, porque o mercado não está crescendo”, diz. “Começamos a preparar a fábrica em 2011, num período de alta do mercado, mas, mesmo assim, não mudamos nada do planejamento e investimos os R$ 2,6 bilhões projetados inicialmente.” Todas as empresas que estão crescendo têm em comum aquilo que as montadoras da Ásia praticam como um mantra: sempre ter estratégias de crescimento lento, mas contínuo, não definir os investimentos de acordo com a maré do momento e privilegiar a qualidade de produção.

Nesse cenário, as nipônicas estão conseguindo seduzir consumidores que eram, historicamente, clientes fiéis das marcas tradicionais. “A crise está sendo boa para os asiáticos, pois os consumidores estão pesquisando mais e conhecendo novas opções”, diz o veterano consultor André Beer, ex-vice-presidente da GM. “O preconceito com o carro chinês, por exemplo, pode ser superado mais rapidamente.” Até por isso, para essas empresas, a crise não é momento de colocar o pé no freio dos investimentos. A Honda está desembolsando R$ 1 bilhão para montar sua segunda fábrica no Brasil, em Itirapina, no interior de São Paulo, que vai permitir dobrar sua produção local.

Já a Toyota prepara uma fábrica de motores, em outro município paulista, Porto Feliz, com capacidade de produzir 70 mil unidades por ano, a partir de 2016. Pelo lado chinês, a Chery inaugurou a sua primeira fábrica brasileira, em agosto do ano passado, em Jacareí. Apesar da queda de 25% em suas vendas no primeiro trimestre, a empresa pretende recuperar o atraso e comercializar 25 mil veículos neste ano, o que representaria um crescimento de 161% em relação a 2015, com a entrada no mercado dos veículos produzidos em Jacareí. A expectativa é de que de que somente o Novo Celer, o seu primeiro carro produzido no Brasil, lançado na terça-feira 14, chegue a dez mil unidades.

“As suas vendas serão maiores do que todo o volume comercializado em 2014”, afirma o vice-presidente, Luis Curi. No entanto, nem mesmo somados, os investimentos dos concorrentes chineses e japoneses, superam o da Fiat, controladora do grupo ítalo-americano Fiat Chrysler Automobiles (FCA). A despeito dos maus resultados do começo de 2015, com retração de 29,7%, o ano da montadora será marcado pela inauguração, no final de abril, de sua mais moderna fábrica do mundo, em Goiana (PE), para a produção da Jeep – marca original da Chrysler.

Equidistante em 65 quilômetros de Recife e João Pessoa, o polo produtivo exigiu R$ 7 bilhões, contra R$ 5,8 bilhões desembolsados pelos asiáticos. Trata-se do maior investimento privado feito no Brasil, nos últimos anos. O problema é que a fábrica começou a ser planejada e construída em um momento de alta do mercado, em 2011, e entra em operação num cenário mais do que adverso. Mas a montadora já tem planos alternativos para utilizar a capacidade das instalações, que somam 500 mil metros quadrados de área construída, incluindo um parque de autopeças com 16 fornecedores.

Segundo Cledorvino Belini, presidente da FCA para a América Latina, o investimento em produtos inovadores, somado à desvalorização do câmbio, torna o automóvel nacional competitivo para exportação. “Retomamos as exportações para o México e toda América do Sul”, afirma. “Além do mercado interno, podemos agora olhar para fora.” A fábrica começou a operar montando o utilitário esportivo Jeep Renegade, mas dois outros modelos devem chegar à linha de produção nos próximos meses. O projeto em Goiana é tão importante para o grupo FCA que a matriz enviou, em 2013, Stefan Ketter, o vice-presidente mundial de manufatura, para trabalhar em Pernambuco.

“Nunca tinha tido uma intervenção pessoal tão de perto na montagem de uma fábrica”, diz o executivo, nascido em São Paulo, que estudou na Alemanha e atuou nos EUA e na Itália. A atenção especial promete ser recompensada de diversas formas. De acordo com a Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), o polo montado pela Fiat terá um impacto equivalente a 6,5% do PIB de Pernambuco, entre 2019 e 2020. Ou seja, apesar de passar por uma tempestade, o setor automotivo continua sendo um importante motor de desenvolvimento da economia brasileira.