21/10/2016 - 20:00
Poucas horas após tomar posse, no dia 31 de agosto, o presidente Michel Temer viajou à China para a cúpula do G20 e alguns encontros bilaterais. Desembarcou em Xangai às 9 da manhã do dia 2 de setembro e propôs à sua comitiva a realização de uma reunião de duas horas que não estava prevista na agenda. Participaram do encontro fechado o ministro das Relações Exteriores, José Serra, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, e quinze empresários e dirigentes de entidades patronais.
O objetivo era mostrar ao seleto grupo de executivos brasileiros, de empresas como a Embraer, a Vale e a BRF e de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional de Serviços (CNS) que um novo governo estava, de fato, emergindo. “Naquele momento, eu percebi que tudo estava mudando: desde o modelo econômico até a política externa”, afirma Regis Arslanian, ex-embaixador do Brasil no Mercosul e conselheiro da CNS, que esteve na reunião. “Há uma diplomacia presidencial, ou seja, uma atuação direta do presidente da República na execução da política externa.”
Desde então, a agenda comercial foi ampliada com foco na atração de investimentos e abertura de mercado em parceiros estratégicos. Para um País que vive a maior recessão de sua história – queda de 3,8% do PIB em 2015 e em torno de 3,0% em 2016 –, a busca de oportunidades no exterior não é uma mera alternativa, mas uma necessidade que foi negligenciada nos cinco anos do governo Dilma Rousseff. Ao nomear Serra para o Itamaraty e transferir para o seu comando a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Temer jogou luz à diplomacia nacional e deu instrumentos para que acordos sejam firmados.
Além disso, o Itamaraty incorporou a secretaria-executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), cuja presidência também passou a ser exercida por Temer. O presidente da República e os ministros Serra e Meirelles têm liderado diversas viagens ao exterior. A mais recente, nos dias 15, 16 e 17 de outubro, foi para Goa, na Índia, onde participaram da 8ª Cúpula dos BRICS, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e de um encontro bilateral com o anfitrião Narendra Modi, primeiro-ministro indiano. “Tivemos uma rodada de liberalização de tarifas de cerca de 500 produtos com a Índia e o dobro disso com a África do Sul”, diz o ministro Serra à DINHEIRO (leia entrevista ao final da reportagem).
“Estamos abrindo por todo lado mais janelas para a gente poder vender mais e comprar mais.” Em seguida, Temer foi a Tóquio, onde se reuniu, na quarta-feira 19, com o primeiro-ministro Shinzo Abe para a assinatura do Acordo de Cooperação Para a Promoção de Investimentos em Infraestrutura. “Registrei que estamos consolidando no Brasil um ambiente de segurança jurídica e de previsibilidade reguladora, sempre muito conscientes de que a recuperação da economia brasileira passa por mais investimentos estrangeiros, por mais comércio exterior, especialmente pelo investimento japonês”, afirmou Temer, salientando que existem quase 700 empresas nipônicas operando no Brasil.
Para o presidente da CNI, Robson Andrade, que acompanhou o presidente Temer na viagem ao Japão, o novo posicionamento do governo coloca o País “num momento especial de relações internacionais”. “O Brasil está sendo muito ágil nessas ações internacionais para incrementar o comércio e também atrair investimentos”, disse Andrade, em Tóquio. O encontro bilateral com o Japão, em particular, teve um sabor especial para a diplomacia brasileira. “A Dilma cancelou duas vezes, na véspera, as viagens para o Japão”, diz o embaixador Rubens Barbosa. “Foi uma decisão ideológica deixar os países ricos em segundo plano.”
Na gestão petista, o Brasil esteve muito centrado na defesa do multilateralismo, via Organização Mundial de Comércio (OMC), e na aposta de concretização de grandes negociações como a Rodada Doha, avançando pouco nos temas bilaterais. Os resultados foram pífios e praticamente isolaram o País do restante do mundo. “Agora, visivelmente, temos uma agenda internacional que está sendo pautada pelo Itamaraty”, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da Barral M Jorge Consultores Associados. “Outra boa notícia é que a agenda está bem diversificada, recolocando o Brasil no cenário internacional.”
O esforço abrange as diversas pastas da administração. Em setembro, o ministro Blairo Maggi passou 25 dias na Ásia. A comitiva, composta ainda de 40 representantes do agronegócio, visitou sete países e conversou com cerca de 500 empresários. A estimativa é que ações como a abertura de mercados como o de Vietnã, para carnes suína, bovina e de frango, possam render até R$ 2 bilhões em negócios. Em conferência na China, no início do mês, o ministro Marcos Pereira, da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, vendeu a cerca de 500 empresários chineses as oportunidades de investimento do plano de concessões no Brasil.
Na cúpula dos BRICS, não houve grandes avanços comerciais. Embora a China defenda a criação de uma área de livre-comércio entre todos os integrantes, os diplomatas brasileiros repudiam a ideia. “É complicado fazer um acordo de livre-comércio com a China enquanto ela não tiver uma economia plena de mercado, pois você vai sofrer dumping de tudo quanto é forma”, explica Roberto Gianetti da Fonseca, presidente do Conselho Empresarial de América Latina (Ceal). “Só um louco faria um acordo de livre-comércio com a China.” Fonseca salienta, no entanto, que isso não significa que os BRICS devam ser descartados.
Pelos seus cálculos, os cinco países vão representar mais da metade do aumento do consumo do mundo nos próximos 10 a 15 anos. “Só isso já basta para dizer que o futuro do mundo no século XXI está nos BRICS”. Dentre as principais características que os integrantes desse bloco emergente possuem são mercados consumidores enormes, amplo território e liderança geopolítica relevante em seus continentes. “Onde estará o aumento de consumo de alimentos, de bens duráveis, de serviços bancários, de seguros, de turismo? É nos BRICS”, afirma o presidente do Ceal.
UNIÃO EUROPEIA Na avaliação de especialistas, a negociação mais dura que o governo Temer terá nos dois próximos anos será a do livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia. No começo de outubro, os negociadores dos dois lados se reuniram em Bruxelas para debater suas propostas. O bloco sulamericano ofereceu a redução tarifária para 87% das linhas comerciais num prazo de 15 anos. Já os 13% restantes, que incluem itens industrializados que são cobiçados pelos europeus, como automóveis, continuariam fechados. O bloco do Velho Continente propôs zerar tarifas em 89% das linhas ao longo de 10 anos.
Porém, setores estratégicos como o do agronegócio continuariam com barreiras. “É possível avançar, mas não é fácil porque a União Europeia tem um altíssimo nível de protecionismo agrícola”, afirma o ministro Serra. “E a minha tese é de que nós devemos, sim, fazer concessões de abertura, mas sempre que haja concessões recíprocas. Concessão, sim, mas com reciprocidade e não a troco de banana.” Outro fator que dificulta o acordo é o Brexit – a saída do Reino Unido do bloco europeu, que foi aprovada pela população britânica em julho.
“Perdemos um aliado, pois o Reino Unido sempre foi um defensor das negociações com o Mercosul”, diz Barral. “Por outro lado, hipoteticamente, o Brexit pode facilitar um acordo direto entre o Reino Unido e o Mercosul.” Do lado brasileiro, há um certo otimismo por conta das posições mais abertas do presidente argentino Mauricio Macri que, ao contrário do governo de Cristina Kirchner, apoia as negociações com os países desenvolvidos (leia reportagem aqui). No tabuleiro de xadrez da diplomacia, duas peças são monitoradas com muita atenção.
O “rei” Donald Trump e a “rainha” Hillary Clinton, que disputam a eleição americana, marcada para 6 de novembro (leia reportagem aqui). Os discursos protecionistas dos dois lados têm gerado preocupações no mundo inteiro. Há uma ameaça a grandes tratados internacionais que estão sendo costurados, como o Tratado Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), entre Estados Unidos, Japão e mais 10 países. Do ponto de vista prático, o governo brasileiro torce por Hillary. “Os dois candidatos têm se apresentado como defensores do mercado interno americano, de políticas industriais e tudo mais”, diz Serra. “Mas eu prefiro, sem dúvida nenhuma, e teria mais confiança na Hillary.”
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Leia entrevista completa com José Serra aqui