Fernando Antonio Simões é um otimista. Diretor-presidente da Júlio Simões Logística (JSL), fundada há 60 anos na cidade paulista de Mogi das Cruzes, o empresário de 49 anos espera um bom desempenho da economia ao longo dos próximos dois anos. O principal motivo é a nova disposição de Brasília de colocar em dia as contas do governo. Com um faturamento de quase R$ 6 bilhões em 2015, a JSL tem um perfil distinto da maioria de seus concorrentes. Mesmo sendo controlada e presidida pelo filho do fundador, a companhia é listada em bolsa (abriu capital em 2010), tem conselheiros independentes e suas ações são negociadas no Novo Mercado, segmento do mercado acionário em que todos os papéis têm direito a voto. Simões recebeu a DINHEIRO em seu escritório recém-inaugurado na zona Sul de São Paulo, onde há uma imagem de Nossa Senhora ao lado da foto do fundador, que emigrou de Portugal em 1952, A seguir, os principais pontos da entrevista:

DINHEIRO – O setor de logística é muito dependente do nível de atividade econômica. Quais são suas perspectivas para 2016 e 2017? 
FERNANDO SIMÕES  –
 Estou otimista, sim, principalmente devido à mudança de governo. A economia degradou tanto que a sensação é que chegamos ao fundo do poço. Pode piorar um pouquinho ainda, mas há uma chance de recuperação. Isso traz esperança. A expectativa com o governo novo é de reformas tributária, trabalhista e  previdenciária.

DINHEIRO – O sr. acha isso possível?
SIMÕES –
 Eu costumo dizer que todos os presidentes do Brasil foram bons, de um modo ou de outro. O melhor exemplo é o do falecido presidente Itamar Franco. Ele permitiu a implantação do Plano Real, saiu do governo com uma popularidade altíssima, fez sucessor. Se quisesse, Itamar Franco poderia ter aprovado a emenda da reeleição e ter continuado no cargo. Mas mostrou desprendimento e cedeu lugar. Vejo algo parecido no governo atual.

DINHEIRO – Essa avaliação positiva inclui os governos do PT?
SIMÕES –
 Sim, porque eles se preocuparam muito com a base da pirâmide e transformaram milhões de brasileiros em cidadãos e em consumidores. Isso tem um efeito benigno imenso sobre a economia. Claro, a presidente Dilma  Rousseff cometeu erros. O governo anterior insistiu muito em estimular a economia por meio do consumo. Como dizemos no interior, a festa já estava animada demais e o dono da casa continuou servindo cachaça. A ressaca é inevitável.

DINHEIRO – E a gestão de Michel Temer?
SIMÕES – 
A principal vantagem é que eles parecem compreender a necessidade de equilibrar as contas públicas e têm vontade de fazer isso. Se o novo governo avançar nas reformas tributária, trabalhista e da Previdência, se gerir os gastos de maneira responsável e equilibrada, isso terá um efeito muito positivo sobre os juros e sobre a inflação. E a equipe econômica, o núcleo duro do governo, parece estar preparada para fazer isso. Essas mudanças geram um novo ânimo no mercado.

DINHEIRO – Como o sr. vê a economia, e o setor de logística?  
SIMÕES –
 A sensação é que chegamos ao fundo do poço. Pode piorar um pouquinho, mas a expectativa é de recuperação. Esse é o sentimento da maioria das pessoas. O ano que vem não será maravilhoso. Mesmo assim, eu tenho certeza de que 2017 será melhor que 2016, mas pior que 2018.

DINHEIRO – E, nesse cenário, como está a sua empresa?
SIMÕES –
 Nosso guidance para 2016 é de 8% a 12% de crescimento da receita em relação a 2015. Ainda não soltamos um guidance para 2017. Eu costumo dizer que a JSL é diferente. Estamos em vários setores da economia e temos um portfólio amplo de serviços. Não vivemos na ilha da fantasia, mas andamos descolados da economia. Se a atividade econômica vai mal, nós vamos bem; se ela vai bem, nós vamos muito bem. Temos confiança em nosso desenvolvimento como empresa, devido à maneira como estamos posicionados.

DINHEIRO – Como assim?
SIMÕES –
 O nosso setor é muito fragmentado. Em todo o Brasil, e esse é um número surpreendente, há 200 mil empresas de logística, e 70% delas têm menos de cinco caminhões. É um setor dominado por pequenos empresários e onde há muita informalidade. Somos uma companhia aberta, com números públicos e balanços auditados.

DINHEIRO – Ser formal atrapalha ou ajuda?  
SIMÕES –
 Ajuda. Você tem de ter uma companhia dentro da lei. Sonegar não pode ser uma opção. Negócios que não geram recursos suficientes para pagar os impostos e as responsabilidades sociais são negócios que não se sustentam. São negócios em que você não deve estar. Se você só tem lucro sonegando imposto, então o lucro não é seu, você se apropriou de um dinheiro que não é seu. O empresário tem obrigações bem claras. Tem de pagar a folha, os custos, os impostos. Isso também vale para o cliente. Se contrato um prestador de serviço ou um fornecedor que só consegue me atender porque sonega, então eu estou me beneficiando da sonegação.

DINHEIRO – É possível pagar imposto e concorrer com quem não paga?
SIMÕES  –
 Sim, porque o perfil do cliente está mudando. Nosso principal cliente é a indústria. No passado recente, até mesmo as empresas grandes contratavam apenas com base no preço. Hoje, o governo não tem como aumentar imposto, então ele tem de cobrar de quem não paga. Por isso, as indústrias começam a ser responsabilizadas por fornecedores que não cumpriram suas obrigações fiscais e trabalhistas. Agora, mais do que nunca, elas buscam fornecedores que prestem os serviços e que também ofereçam segurança e cumpram suas obrigações legais Assim, estamos tomando mercado de nossos concorrentes informais.

DINHEIRO –O mercado faz essa diferenciação?
SIMÕES –
 Faz. É raro uma empresa que sonega e consegue se desenvolver, porque ela passa a sonegação para o preço. Esse é o ponto.

DINHEIRO – A JSL é uma empresa grande, com um programa pesado de investimentos. Como justificar investir na conjuntura atual? 
SIMÕES  –
 Nos últimos quatro anos nós investimos R$ 2 bilhões brutos por ano, ou seja, sem considerar os ativos que substituímos. Assim, desde 2012, todos os anos colocamos R$ 1 bilhão em dinheiro novo no negócio. Eu não faço isso por esporte, mas porque a companhia está crescendo. O faturamento cresceu 16% em 2015 em relação a 2014, e deverá crescer até 12% neste ano, que é o teto da nossa guidance. Como nossa base de faturamento é quase R$ 6 bilhões, isso quer dizer que a meta é trazer mais R$ 800 milhões de receita. Não é pouco, e você só consegue fazer isso com dinheiro novo. Tem de tirar o dinheiro do banco e colocar na estrada, se não, você não lucra. Quando investe, você está construindo a receita do ano seguinte.

DINHEIRO – Como qualquer empresa, vocês têm crescido com base no crédito do BNDES. Agora, o papel do banco mudou, e ele vai se dedicar mais ao fomento e à infraestrutura. Isso melhora ou piora o negócio? 
SIMÕES –
 Melhora. Nós financiávamos caminhões, máquinas e equipamentos no BNDES a taxas subsidiadas, e eu pessoalmente acho um absurdo.

DINHEIRO – Por quê?
SIMÕES –
 Dinheiro barato e farto estraga qualquer mercado. Quem não faz conta, toma dinheiro emprestado, compra equipamentos de que não precisa e depois precisa colocar essa frota na rua para gerar algum caixa e pagar a dívida. Quem faz isso em geral atua de uma maneira predatória e desequilibrada. Agora, o BNDES voltou ao caminho correto, o que vai estabilizar o mercado.

DINHEIRO – Vocês abriram capital em 2010 e estão no Novo Mercado. Hoje há muitas empresas saindo da bolsa. Compensa permanecer aberta?
SIMÕES  –
 Sim. Veja, nossa empresa começou com o meu pai, um imigrante português que trabalhava como caminhoneiro. Eu trabalho aqui desde os 14 anos, deixei de estudar aos 16. Quando me perguntam a minha formação, eu respondo “escola da vida e JSL”. Hoje, temos 60 anos de história e 25 mil colaboradores. Estamos em mais de 400 pontos de venda no Brasil inteiro. Poderíamos ter continuado com o capital fechado. Mesmo assim, decidimos ir à bolsa, por três motivos. Um deles era garantir a perpetuidade do negócio, e isso era mais fácil se a empresa fosse estruturada. O outro era a necessidade de sermos transparentes, para nos comunicar tanto com os nossos maiores clientes quanto com as instituições financeiras que nos apóiam. A abertura de capital no Novo Mercado foi uma maneira de nos diferenciarmos da concorrência.

DINHEIRO – E qual o terceiro motivo?
SIMÕES –
 Fica muito mais fácil gerir uma empresa aberta. Dá mais trabalho, tem de apresentar relatórios ao mercado, mas se eu for pensar bem, tenho obrigação de prestar contas para o investidor. Estou com dinheiro dele. E, nesse processo de gerar relatórios, ter conselheiros independentes que me fazem perguntas todos os meses, acho muito mais fácil gerir a companhia. Agora, fazemos um planejamento estratégico por cinco anos, o que torna tudo muito mais previsível. E o conselho de administração também me corrigiu várias vezes.

DINHEIRO – Em que ocasiões?
SIMÕES –
 Vou dar dois exemplos. Em 2012, eu entrei em uma reunião disposto a aprovar a compra de um concorrente. Ouvi o que todos tinham a dizer e saí de lá convencido a não comprar nada. Os conselheiros me demonstraram claramente que era mais negócio usar o dinheiro para construir organicamente, em vez de comprar. Dois anos mais tarde, em 2014, tínhamos um caixa adequado. Os conselheiros também me convenceram a fazer uma captação preventiva. Ficamos um ano carregando quase um bilhão de reais em caixa, e pagando juros. Em 2015, quando o dinheiro sumiu do mercado, eu estava em uma posição muito confortável. Foi bom ter alguém dizendo “coloque um casaco pesado na mala, porque pode esfriar”. Deixar de fazer essa captação preventiva teria me causado muitos problemas. Conselhos como esses são inestimáveis.