Ideologias à parte, o Brasil sempre foi um país vermelho, pelo menos em suas finanças internacionais. Nascemos devendo. Uma das condições para que Portugal reconhecesse a Independência de 1822 foi que o jovem país assumisse uma dívida portuguesa com a Inglaterra, firmada antes do Grito do Ipiranga. Apesar desse começo, o governo do Império foi um bom pagador. As jovens repúblicas da América Latina quebraram sucessivamente ao longo do século XIX, mas o Brasil foi uma das exceções.

 

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William Salasar: o Brasil evoluiu, mas precisa manter a disciplina fiscal

 

O vermelho ficou bem mais rubro com a Proclamação da República. A Abolição da Escravatura transformou os escravos em assalariados e obrigou o pagamento de salários. O fim de uma economia onde boa parte das transações era fechada na base da troca – duas mantas de carne seca pagavam a construção do muro dos fundos –, elevou drasticamente a necessidade de dinheiro e tornou o Brasil um voraz consumidor de divisas importadas. 

 

Não por acaso, na República Velha e no início do governo de Getúlio Vargas foram realizados três “empréstimos de consolidação”, um nome gentil para a conversão de dívidas velhas e não pagas em dívidas novas, que poderiam vir a ser pagas.

 

Na segunda metade do século XX, a construção de Brasília, a ditadura militar e a redemocratização contribuíram para que as relações entre o governo brasileiro e os credores internacionais fossem conturbadas. 

 

A necessidade de crescer, os choques do petróleo e a dificuldade de adotar medidas impopulares para conter os gastos fizeram com que o Brasil firmasse e descumprisse sucessivos acordos com seus credores. 

 

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Devo, não nego: antigas apólices da dívida pública viraram peça de museu

 

Finalmente, depois de um longo caminho, o país chegou à estabilidade da moeda com o Plano Real. No governo Lula, passou de caloteiro a credor do FMI. Essa é, em síntese, a trajetória do endividamento externo brasileiro, retratada em A Longa Estrada da Dívida (Saraiva, 166 páginas), livro do jornalista paulista William Salasar, especialista em mercados financeiros e economia internacional.

 

Salasar cobriu boa parte das conturbadas negociações com os credores ao longo dos anos 80 e 90 e acompanhou as peraltices do governo muito antes de se falar em grau de investimento. A experiência do autor é o que faz de A Longa Estrada… uma leitura não apenas informativa, mas também saborosa. 

 

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Em retrospecto, as páginas de A Longa Estrada… parecem história antiga. No entanto, Salasar finaliza o livro com uma questão que frequentemente passa ao largo do debate: o grau de investimento é um clube que não tem apenas porta de entrada. 

 

Uma deterioração drástica dos números pode mandar o País de volta à segunda divisão das finanças mundiais. Como impedir isso? “A lição desses 200 anos é que a única maneira de evitar problemas com o mercado internacional é manter a disciplina fiscal”, diz Salasar.