28/04/2023 - 5:00
Já cansamos de ouvir que sustentabilidade é algo essencial. Nós, as empresas e os governos sabemos disso. Mesmo assim, parece que estamos sempre atrasados quanto aos objetivos climáticos globalmente. E estamos. No Acordo de Paris (2015), nos comprometemos a manter os níveis de aquecimento global abaixo de 1,5 °C, mas já estamos próximos de um aumento na temperatura de 1,1 °C. Mesmo assim, segundo o relatório Synthesis, do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (Unep), ainda é viável atingir os objetivos traçados no acordo.
Para Tony Lent, cofundador da Capital for Climate — uma consultoria financeira dedicada a grandes investimentos em projetos que contribuam para as metas de Paris —, há um grande potencial econômico na sustentabilidade. Segundo a McKinsey, o Brasil pode desempenhar um papel gigante nessa transição, devido ao potencial em energia renovável, materiais de base biológica, além do mercado de carbono. Juntas, essas áreas representam mercado que pode superar US$ 125 bilhões. Devido à importância do País no tema, a Capital for Climate decidiu realizar a Nature-based Solution Investment Summit, sua convenção sobre as soluções baseadas na natureza (SBNs), em São Paulo. “Não queremos dizer que tudo acontecerá como mágica, mas o cenário é muito promissor e estamos animados”, disse Lent à DINHEIRO.
Por que as soluções baseadas na natureza são importantes de um ponto de vista de investimento?
No Brasil o maior número de oportunidades ligadas aos objetivos climáticos como Net Zero está nas soluções baseadas na natureza e muito mais forte do que em outras grandes economias do mundo. Os países que rodeiam a Amazônia, assim como outros, da região do Congo e das Filipinas, têm grande capacidade econômica com soluções baseadas na natureza (SBNs) devido à quantidade de carbono armazenada nas florestas e sua biodiversidade.
O que diferencia o Brasil?
O Brasil tem um mercado sofisticado de investimento para o segmento, um gigante mercado voltado à agricultura, além de uma comunidade empreendedora muito talentosa. Muito mais que em outros mercados com capacidade similar para as SBNs. Essas possibilidades criaram um contingente de investidores interessados no País para investimentos.
Além dos ganhos em sustentabilidade, quais os ganhos financeiros possíveis com tais investimentos?
Podemos exemplificar com o agronegócio no Brasil, que representa boa parte do seu PIB. O que temos de fazer é perguntar se sempre seremos apenas uma grande indústria de soja, carne e açúcar. Há uma oportunidade de grandes negócios e indústrias para saúde do solo, produção sustentável de carne. Replantar florestas para o mercado de carbono pode, por exemplo, gerar um mercado de US$ 50 bilhões somente no País. Temos realmente a chance de gerar muitos ganhos a partir desses investimentos em sustentabilidade. A soma das oportunidades em descarbonização pode movimentar algo entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões no próximo ciclo industrial global.
Qual o papel de instituições como a Capital for Climate nesse cenário?
Nosso objetivo é posicionar a comunidade de investidores de maneira com que eles possam ser bem-sucedidos nesse mercado. Queremos criar um centro de gravidade e uma comunidade para ditar o crescimento desse movimento. E queremos fazê-los entender as principais oportunidades macroeconômicas para realmente reconfigurar o cenário empreendedor brasileiro e alinhá-lo com o cenário global de venture capital, o que abrirá portas para diversas oportunidades. Não queremos dizer que tudo acontecerá como mágica, mas o cenário é muito promissor e estamos animados.
Como é o cenário atual?
Há muitos empreendedores animados e realizando testes promissores. Mas ainda estamos no início da criação de um ecossistema empreendedor com foco em sustentabilidade. Não precisamos ter todo mundo no mesmo barco, bastará se pelo menos tivermos alguns. Já temos muitas instituições na lista da Fortune 500 que têm algum foco para o tema ou que são consultorias especializadas. Isso tende a aumentar.
O momento econômico global atrapalha os objetivos climáticos?
Há casos em que investidores param de investir por conta desse momento, mas em outros casos não param. Por mais que alguns programas corporativos de sustentabilidade tenham perdido alguma verba ou tido alguma redução, no geral, os investimentos direcionados ao clima não desaceleraram nos últimos anos. A quantidade de capital está menor, assim como no restante do cenário de venture capital, mas não é específico dos investimentos em sustentabilidade. Principalmente no mundo corporativo, há um crescimento e muito mais acontecendo do que percebemos.
Como novas tecnologias podem ajudar nesse cenário?
Nós já sabemos o que temos de fazer, na maioria das indústrias. Em grande parte, temos de fazer a transição alguns processos e infraestruturas para geração energética, no setor industrial, assim como no de transportes com carros e caminhões. Novas tecnologias como computação quântica, inteligência artificial e supercomputação com certeza ajudarão nessa transição, mas acredito que as principais soluções para o clima estão bem embaixo do nosso nariz. Novas indústrias já focadas em sustentabilidade, como a de produção de energia verde, estão se beneficiando majoritariamente dos avanços em novas tecnologias como IA.
Como a inovação se diferencia nas pequenas e grandes empresas?
A inovação nesse âmbito acontece muito mais em startups e empresas menores do que nas gigantes e no Brasil o cenário agricultor e pecuarista será importante para testar e acelerar o uso dessas novas ferramentas. Nas grandes empresas, há duas possibilidades: a primeira é de fora para dentro, com a criação de fundos próprios para a aquisição de startups ou pequenas empresas que trazem inovações; e a segunda é a aplicação de investimentos para gerar inovação de dentro para fora.
Hoje quase toda empresa se diz sustentável. Estão certas?
As empresas hoje respondem à pressão da sociedade, assim como a regulamentações do mercado. Ambas expressam hoje a necessidade do mercado em ser sustentável. Sendo assim, as empresas são sustentáveis hoje para sobreviver. Porque não sendo, elas não serão mais capazes de operar e podem ver sua reputação, valor de mercado e investimentos importantes indo embora.
Quais são indústrias com grande potencial em sustentabilidade, mas que não estão tirando proveito disso?
As indústrias de soja e milho têm muito potencial, mas ainda se movem lentamente para investimentos. A de carne já sabe dos seus desafios e, ao mesmo tempo, sofre muita pressão para mudar e adotar uma produção sustentável, como remover práticas de desflorestamento da sua cadeia de valor. A pergunta é se elas se moverão na velocidade necessária para acompanhar o restante do mercado.