02/09/2022 - 4:20
O empresário Marcel Malczewski, fundador da empresa de automação Bematech e gestor do fundo TM3, maior do País fora da Faria Lima, tem se tornado o senhor das startups no País. Com mais de R$ 500 milhões sob gestão, responde hoje por investimentos em 50 empresas novatas de diversos setores, de fintechs, healthtechs e logtechs até em companhias tradicionais do real state. Em entrevista à DINHEIRO, ele analisa o atual momento do setor no Brasil e aponta as razões que levam muitos unicórnios e startups queridinhas do noticiário econômico a promover demissões, cortes de gastos e adiamentos de projetos e investimentos.
Por que as startups, que brilharam no País nos últimos anos, estão demitindo e cortando gastos?
O mercado viveu uma hipervalorização dos ativos nos últimos anos. Havia muita liquidez e muita empresa atrativa para os investidores, mas as cifras envolvidas nos negócios não condiziam com o potencial de geração de receita. Sempre que a gente sentava para negociar algum aporte, os valores iniciais eram sempre muito altos. Isso é ruim para todo mundo. Por causa dos valuations esticados, o breakeven [prazo de retorno sobre o valor investido] ficava alongado demais. As startups viveram de valuation irracional no Brasil.
Essa hipervalorização dos ativos foi como uma bolha que estourou?
Nesse sentindo, sim. Por isso, está ocorrendo um ajuste no mercado. As startups que dependem de grandes cheques, vão sofres mais. As menores, que dependem de pequenos aportes para crescer, ainda encontram certa facilidade. O problema é que não existe mais aquela liquidez dos últimos três ou quatro anos. Os investidores estão cautelosos e muito mais seletivos em seus investimentos. Afinal, o setor de venture capital é um investimento alternativo, de longo prazo e alto risco. Antes de investir, o que conta é o múltiplo de receita recorrente de empresa. Startup que não gera receita não atrai investimentos.
O cenário no Brasil é igual ao do restante do mundo?
Com pandemia na China, recessão nos Estados Unidos e guerra na Europa, até que o ambiente no Brasil está relativamente melhor. Mas o País continua sendo uma grande interrogação. O que temos aqui são as dificuldades de sempre: baixo crescimento, câmbio instável, inflação e juros altos. Com a Selic perto de 14%, a tendência do investidor é enxugar os recursos que tem e botar na renda fixa. Mas em termos de oportunidades, o Brasil sempre se destaca. Essas oscilações geram desafios, mas também boas oportunidades.
Oportunidade significa, no jargão do investidor, pagar mais barato…
Com certeza. Como há menos dinheiro disponível para aportes, as empresas estão mais realistas. No fim das contas, fica mais fácil negociar e definir investimentos. Os investidores estão mais conservadores em duas decisões. Então, não é qualquer proposta que convence o investidor a assinar o cheque.
Está quanto mais barato hoje?
É difícil dizer um número. Há casos e casos. Mas posso estimar, num chute, que os ativos hoje estão uns 30% mais baixos do que há dois anos. Talvez. O que é fato é que houve um enxugamento brutal nos investimentos alternativos. Isso, obviamente, mudou a forma de definir o valuation. Nesse cenário, vejo que as startups que estão com rodadas em aberto, estão tentando fechar rapidamente e ampliar um pouco o tamanho do cheque da rodada. Isso porque elas sabem que de hoje em diante vai ser mais difícil captar. Seja pela alta dos juros, seja pela aversão ao risco, a liquidez enxugou.
Quais são os setores que ainda seduzem os investidores?
O setor de tecnologia é o que apresenta mais oportunidades de ganho e de crescimento. Historicamente o setor de tecnologia é anticíclico. Ou seja, cresce mais quando a economia vai mal e as empresas demandam ganho de eficiência e redução de custos. Por isso cresce tanto nos últimos anos. Mas há muita coisa boa em fintechs, logtechs, healthtechs, IoT [internet das coisas], retailtechs, entre outras áreas.
Mas as retailtechs, ou startups voltadas ao varejo, não estão sofrendo com a queda no consumo?
Estamos vivendo uma crise no varejo, sim. Basta olhar para o que está acontecendo com as ações das maiores redes varejistas do Brasil. Mas é exatamente por essa necessidade de digitalização do varejo tradicional que surgem boas opções de negócios e de investimento.
O varejo brasileiro já não é digitalizado?
Precisa ser mais, não só no varejo. O Brasil, apesar dos grandes avanços nos últimos anos, é um país precário em digitalização dos negócios se comparamos com empresas de países mais desenvolvidos. A maturidade digital das empresas brasileiras ainda é muito baixa.
Como os investidores enxergam as perspectivas para o Brasil?
O que mais preocupa é como o novo governo, seja qual for, vai conduzir a economia. Vivemos um período que não admite erro nos investimentos. Vejo que 2023 será um ano muito difícil. A conjuntura macroeconômica é muito incerta.
Quais foram as lições, com erros e acertos, na Bematech?
A principal lição que trouxe da Bematech é a importância de se dar atenção aos detalhes. Apanhamos muito do mercado quando não tivemos total controle e conhecimento de todos os detalhes da operação da empresa. Aprendemos muito com isso. Outra lição é evitar os riscos do B2C. Os riscos são muito elevados. Evitamos investir e damos prioridade para o B2C, que tem números mais realistas. Aqui na TM3, estou buscando uma taxa interna de retorno anual entre 25% a 35% para o meu investidor, para o meu cotista.