Diretor-executivo de uma das mais prestigiadas organizações de conservação ambiental do mundo, a The Nature Conservancy (TNC), Ian Thompson reconhece uma importante mudança na postura do governo brasileiro durante a COP-26, que segue em curso até sexta-feira (12) em Glasgow, Escócia. As decisões do País de se juntar a outras 100 nações em compromissos globais para reduzir a emissão de metano (CH4) e zerar o desmatamento até 2030, segundo o executivo, “trazem um sopro de um futuro mais ambicioso para o País”. Mas ele alerta que os avanços são insuficientes. Mais do que discurso, é preciso realizar ações urgentes para diminuir a velocidade do aquecimento global com metas mais audaciosas para a redução de emissões de CO2 e a eliminação do desmatamento da Amazônia. “[A floresta] está chegando a um ponto crítico que se não for revertido logo não terá mais volta e irá morrer.” As consequências serão nefastas para o Brasil e para o planeta. “Precisamos acelerar nossa resposta a tudo isso”, afirmou nesta entrevista à DINHEIRO.

Um dos mais esperados eventos mundias sobre o meio ambiente, a COP-26, acontece até sexta-feira (12) com um pano de fundo diferente das outras edições. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou um relatório há poucas semanas classificando a situação do planeta como urgente. Como a TNC avalia este momento?
Ian Thompson — É realmente preocupante. Existem grandes processos envolvidos no clima que o homem não controla. Um exemplo brasileiro é a Amazônia. Ela está chegando a um ponto crítico que, se não for revertido logo, não terá mais volta e a floresta irá morrer. Só que a derrubada das árvores lá não é um problema regional. O desmatamento impede a formação do fenômeno chamado Rios Voadores — correntes de ar úmido formadas na floresta que levam chuvas para o sul do continente — o que significa seca severa não só no Brasil como também na Argentina. Para piorar, ninguém sabe precisar qual é exatamente o ponto de inflexão em que a mudança rumo à degradação acelerada acontece.

Como o Brasil está inserido neste contexto?
O que percebemos é que houve uma grande mudança na postura do governo nos últimos 18 meses. O Brasil mudou seu discurso ambiental, mas não sabemos se isso se refletirá em ações concretas. O que o País falava lá no início do governo é muito diferente do que fala hoje.

Quais pontos de avanços mais relevantes dessa nova postura?
Ao menos o governo está dizendo que fará alguma coisa. Está se comprometendo a fazer o máximo para combater as emissões de gases de efeito estufa e assumiu a meta de alcançar a neutralidade em 2050. Mas é preciso avançar nos planos práticos que garantam, por exemplo, os pagamentos por serviços ambientais como forma de valorizar a floresta em pé.

Essa mudança de postura está evidente na COP-26. Mas é suficiente?
Nunca se falou tanto na agenda de florestas como nessa Conferência do Clima, entretanto, a posição do Brasil ainda deixa a desejar. A meta climática proposta pelo País traz um zero a zero em relação ao posicionamento já assumido. As metas do Brasil são as mesmas propostas em 2015. Não vemos uma grande ambição climática. Mas é fato que é um resultado melhor do que foi apresentado no fim do ano passado, em que havia um retrocesso na busca de redução de emissões. Um ponto que devemos salientar é a assinatura do acordo relacionado à proteção das florestas e à redução das emissões de metano (CH4). Essas medidas trazem um sopro de um futuro mais ambicioso para o País.

A remuneração da floresta seria a ferramenta mais eficiente para corrigir o erro histórico em que os países mais desenvolvidos enriqueceram derrubando suas vegetações nativas e agora cobram o contrário dos mais pobres?
Em geral, o erro é olhar para o passado e afirmar que foi o desmatamento que viabilizou qualquer economia forte. O Brasil já tem diversas opções de novas tecnologias — inclusive na agricultura de baixo carbono — que torna possível aliar desenvolvimento e sustentabilidade. Já em energia é possível buscar modelos que China e Estados Unidos estão implementando em sistemas solares e aplicar aqui. Temos que confiar na inovação, tecnologia e na nova economia.

O que está impedindo o Brasil de dar escala a essa economia?
O Brasil é enorme e isso por si só é uma grande dificuldade. Mas, em geral, o Brasil tem fixação por um modelo antigo em que a floresta é vista como um entrave à economia e ao desenvolvimento. Isso acontece, porque no modelo vigente, alguns poucos grupos são privilegiados. A economia verde, por outro lado, traz um forte componente social em que existe a preocupação de uma distribuição de renda mais efetiva. Isso acontece, sobretudo, no uso da terra.

A economia brasileira já está sofrendo uma grande pressão das nações europeias, americana e chinesa na agenda ambiental. Mas todas são também concorrentes do País e, apesar do discurso, continuam fortemente movidas por combustíveis fósseis. Como conciliar interesses?
É preciso transparência e um sistema de governança que permita metas claras e sistemas de verificação dos compromissos assumidos de maneira consistente. Além disso, é preciso que cada país de fato se preocupe em fazer o melhor. É válido que o Brasil se preocupe com isso, mas é ele quem tem um dos cenários promissores nessa economia verde sustentados pelo rico patrimônio natural de seu território, além de abundância de água e boas condições climáticas. É preciso saber aproveitar as forças dessa nova geopolítica. A China, que ainda é fortemente dependente de carvão, está fazendo investimentos robustos em energia solar e, brevemente, poderá pivotar a matriz energética deles.

Recentemente houve um aumento exponencial na criação de fundos de investimentos verdes e há uma grande expectativa com relação ao mercado de carbono. Existe o risco de uma bolha?
O mercado de carbono tem potencial muito grande para a valorização da floresta em pé. Já sobre as bolhas, acredito que só são formadas quando falta transparência de informações. Por isso há um esforço mundial, no qual a TNC está envolvida, para estabelecer um padrão de mercado e trazer clareza para as regras do jogo. Agora, os governos têm papel fundamental para garantir a segurança jurídica do mercado.

Durante a última quinzena de outubro, pouco antes da COP, a cidade de Belém (PA) recebeu o Fórum Mundial de Bioeconomia. Essa agenda não deveria estar mais conectada com a do clima?
Sim e para o Brasil isso é importante. Se há uma região no mundo com enorme potencial para a bioeconomia, é a Amazônia. Durante o evento, divulgamos um estudo em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura que mostra que a sociobioeconomia do Pará tem potencial para gerar mais de R$ 170 bilhões em renda até 2040 ­— 30 vezes o valor atual.

A discussão da bioeconomia passa por dois pontos sensíveis no Brasil: a necessidade de investimentos em pesquisa e a legislação de patentes. Como conciliar o potencial com as demandas iniciais do mercado?
O Brasil evoluiu bastante na Lei de Acesso ao Patrimônio Genético. Trazer investimento pesado para inovação é um desafio. Mas é também uma oportunidade, já que vivemos um dos momentos de maior interesse global do capital em ajudar a valorizar a floresta.